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O ocaso da velha ordem

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O modo de pensar a política internacional está em crise, em um processo de mudança gradual

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Rafael Garcia dos Santos*

Os últimos movimentos da política internacional, sendo mais preciso, a partir da ofensiva tática russa em território ucraniano, com as subsequentes sanções ocidentais em relação ao Governo Putin, até o momento inócuas, e a tensão do governo dos EUA visando manter sua posição de alicerce econômico, diplomático e militar, demonstram, de modo claro, que já não é mais possível lidar com o mundo que aos poucos se configura no horizonte, com a mesma abordagem do século 20, ou pior, do século 19.

A multipolaridade que se avizinha dá um duro golpe em todo o padrão internacional vestfaliano e não se pode mais manter-se arraigado a seus preceitos para fazer o jogo da geopolítica, tampouco para analisar o contexto.

A soberania da ordem vestfaliana é uma configuração jurídica ficcional. Ela consagra a inviolabilidade de Estados artificiais, construídos pela força da hegemonia advinda dos séculos 19 e 20 (e mais tarde consagrada pelo “consenso da comunidade internacional”) condenando diversos povos à dissipação.

O modo de pensar a política internacional está em crise, em um processo de mudança gradual. Influenciadores e movimentos precisam o quanto antes se aperceber disso e jogar nessa direção. A soberania deve ser pensada em termos de fatores reais de poder, ela precisa ser vista geopoliticamente e não mais de maneira formalista e jurídica.

As fronteiras constituídas com base na ordem vestfaliana e pelas suas atualizações não passam de engodos jurídicos. A possibilidade de se concretizar uma ordem multipolar se dará caso as grandes e médias potências, caso ousarem, recuperem territórios tradicionais, desfazendo o mosaico artificial e caótico erigido pela Grã-Bretanha, França e EUA. Um exemplo seria a anulação definitiva do modelo advindo do acordo Sykes-Picot, o tratado firmado durante a Primeira Guerra Mundial que permitiu a partilha do Oriente Médio entre as duas principais potências da época, a França e o então Império Britânico.

As fronteiras juridicamente estabelecidas não são eternas. Nunca foram e não serão. E não é prudente, nem intelectualmente maduro se colocar a reclamar de eventuais (e prováveis) reconfigurações de fronteiras que veremos nos próximos anos. A grande questão é se as supracitadas reconfigurações interessarão à hegemonia global unipolar ou não: se tais reconfigurações tenderem a um enfraquecimento dos polos incipientes, mantém-se a unipolaridade; caso essas reconfigurações de fronteira levarem ao fortalecimento dos polos nascentes, teremos a conflagração da multipolaridade.

E nesse contexto, em que pé está o Brasil?

Não há de ser algum tipo de determinação formalista de soberania que irá defender o território nacional, ou mesmo salvaguardar a Amazônia. Tampouco há de ser uma defesa da “inviolabilidade das fronteiras” que irá prescrever nossa posição. Convenhamos, o Brasil surge em função da violação das fronteiras estabelecidas em Tordesilhas, portanto, não se pode aqui ser idealista ou ingênuo, é preciso ser pragmático.

As concepções teóricas e jurídicas vestfalianas estão por se tornar obsoletas, estão sendo desintegradas e enfraquecidas pela “crítica das armas” pela Rússia, o que exige de países como o Brasil um exercício firme na direção de uma configuração coesa em escala continental. A concepção de Estado-nação está, ao que tudo indica, em período de ocaso, logo, é a construção de uma nova estrutura de poder continental, fundamentalmente civilizacional e militar, que nos permitirá criar um sustentáculo de poder baseado na continentalidade. O mesmo que planejava Vargas com o Projeto ABC, bloco que integraria Argentina, Brasil e Chile sob o prisma de uma união aduaneira.

É necessário ao Brasil, ainda, se pensarmos em uma reconfiguração do poder no âmbito multipolar, estreitar relações com polos ascendentes, e nesse caso, há de se pensar com o pragmatismo geopolítico (ação, reação e precedente), portanto, a inclinação para Rússia e China, potências nucleares, se fará impreterível.  Lembremos que enquanto a América Ibérica não contar com dispositivos nucleares dissuasórios, somente a amizade mutuamente interessada com as potências mencionadas pode dissuadir o Ocidente de eventuais avanços sobre a Amazônia.

Dito isto, logo será urgente uma discussão acerca da reedificação do programa nuclear nacional, tanto para fins energéticos quanto militares no âmbito dissuasório.  É evidente que o liberalismo filosófico colonizado de intelectuais e políticos gerará gritaria contra um suposto “extremismo” em violar o Tratado de Não Proliferação, entretanto, para quem analisa com base geopolítica, ou seja, pragmática, já com a perspectiva do século 21, a farsa deste tratado é axiomática, já que mantém o status quo subalterno ao modelo unipolar e de alinhamento automático aos EUA.

É preciso deixar os séculos 19 e 20 perecerem. É chegado o momento de abraçar política e intelectualmente o século 21.

 *Rafael Garcia dos Santos é sociólogo

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