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O Menino no Alto da Montanha

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As consequências do Nazismo

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É muito comum estudarmos sobre a Primeira e a Segunda Guerra Mundiais, sobre o genocídio dos judeus e a quantidade de mortos nas batalhas. Muitos livros foram publicados, filmes, peças teatrais e seriados produzidos a respeito. No entanto, se pensarmos sobre as consequências indiretas desses conflitos, são escassas as pesquisas e as produções acadêmicas ou artísticas.

John Boyne, altamente conhecido por seu enredo, que foi transformado em um famosa longa-metragem, O menino do pijama listrado, se traduz ainda mais contundente ao mostrar como, de fato, as guerras são infinitamente mais problemáticas do que parecem, uma vez que corrompem as gerações jovens, as quais, findo o conflito, seguem perpetuando os ideais nefastos.

Em O menino do pijama listrado, vemos como os inocentes ingenuamente se envolvem com a brutalidade dos algozes nazistas. Porém, em O menino no alto da montanha, o autor evidencia como a sagacidade maléfica de Adolf Hitler conseguiu ludibriar uma mente pueril que, arbitrariamente, aderiu aos seus preceitos antissemitas.

Entretanto, antes disso, o protagonista acompanhara a decadência psicológica de seu pai, o qual voltou, corporal e mentalmente, ferido dos campos de batalha: “O pai de Pierrot Fischer não morreu na Grande Guerra, mas sua mãe, Émilie, costumava dizer que a guerra o matara” (BOYNE, 2016, p.9). Não conseguindo administrar seus traumas, enlouquece e torna a vida familiar insuportável. As lembranças bélicas são mais destruidoras do que a própria conjuntura: “- Mas não é um pesadelo – Pierrot ouviu o pai dizer certa vez, com a voz embargada pelo nervosismo. – É pior. É uma lembrança” (BOYNE, 2016, p.13).

Durante e após uma guerra, há duas formas de esquecimento que imperam: o desejado, como ocorre com o pai de Pierrot, que almejava olvidar as amargas lembranças; e o (auto)imposto, que passa com o menino após ficar órfão e partir da França para a Alemanha para viver com sua tia, a qual trabalhava como governanta na casa de Hitler. Ali, o menino chegou Pierrot e, para sepultar seu passado de descendente de judeu e poder habitar a mansão nazista, se tornou “Pieter”, deixando, assim, sua identidade, sua cultura e se introduzindo na atmosfera maléfica.

A criança se envolve cada vez mais com as conversas e argumentos do chefe da nação daquele outrora e se convence de que está do lado certo, chegando ao extremo de trair seus familiares e de abdicar de sua herança cultural. Sua tia, mesmo sendo empregada de Hitler, é avessa ao Nazismo e trama assassiná-lo com a ajuda do motorista do mesmo. Antes de ver seu plano ser arruinado pelo sobrinho, reflete sobre as consequências para ele e os demais jovens:

- Me apavora pensar no tipo de homem que ele vai se tornar, se isso continuar – disse Beatrix. – Alguma coisa precisa ser feita. Não só por ele, mas por todos os meninos como ele no mundo. Se não for impedido, o Führer vai destruir o país todo. A Europa toda. Ele diz que está iluminando a mente do povo alemão, mas é mentira. Hitler é a própria escuridão (BOYNE, 2016, p.151).

Pieter não titubeia ao entregar sua tia para ser brutalmente assassinada como traidora da pátria e, por muito tempo, se convenceu de que fizera o correto. Porém, após a queda do Führer, o menino é advertido pela cozinheira de que não podia, jamais, usar o argumento de que não sabia no que estava se envolvendo e praticar um esquecimento forçado, pois isso seria mais criminoso do que as atrocidades que ajudou a cometer sendo escriba e cúmplice do genocida.

Após ser expulso da mansão, e perder todas as pessoas que o amaram, decide conviver com a consciência repleta de lembranças criminosas, uma vez que percebe no que se imiscuíra:

Pieter passou a maior parte dos anos seguintes como um nômade, encontrando as consequências devastadoras da guerra em lugares históricos e no rosto das pessoas. De Remagen, ele seguiu para o norte, na direção de Colônia, onde viu a extensão das ruínas causadas pelas bombas da Força Aérea Real. Para qualquer lado que olhasse, havia prédios semidestruídos e ruas instransponíveis (BOYNE, 2016, p.217).

Ao ler esse enredo, lembrei-me de uma máxima de Paul Ricoeur, grande filósofo francês, que afirma: “As guerras são orgias do esquecimento”, na medida em que, a partir do protagonista, podemos percorrer várias facetas do olvido suscitadas pelo conflito, a saber: autoimposto, para sepultar seu passado de judeu e sobreviver em meio aos nazistas; comandado, quando é compelido a subverter o significado das memórias dos crimes; desejável, quando almeja exterminar da mente o período em que fora cúmplice; e impossível, quando percebe que não pode simplesmente deletar os fatos.

Assim, se conforma em conviver com as remembranças e nos deixa uma lição: não devemos, sob hipótese alguma, esquecer os genocídios. Apesar de constituírem um legado indesejável, temos a missão de lembrá-los para que se diminuam as chances de tais atrocidades voltarem a ocorrer, e para que mais nenhum “Pierrot”, infante inocente e gentil, se converta em um “Pieter”, racista cruel.

(BOYNE, John. O menino no alto da montanha. São Paulo: Seguinte, 2016).

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