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abril

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2024

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O imaginário social totalitário da América Latina

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Encontro inusitado nos remete a dois fatores do nosso imaginário social brasileiro

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Dr. Wellington Lima Amorim *

Recentemente o presidente Jair Bolsonaro posou e tirou fotos ao lado da deputada do Partido Alternativa Alemã (ADf) Beatrix Amelie Ehrengard Eilika von Storch recebendo-a com honrarias no Palácio do Planalto. Este evento nos provoca a analisar as feições do imaginário social totalitário que habita na América Latina desde a década 1930. É importante demarcar o conceito de imaginário social como sendo aquele que se constrói através de ideologias, utopias, símbolos, alegorias, rituais e mitos diversos, que podem modelar comportamentos sociais. Sendo assim, não podemos deixar de registrar que a deputada Beatrix von Storch é neta do Ministro das Finanças de Hitler, Lutz Graf Schwerin von Krosigk, pertencente a Casa de Oldenburg, ou seja, a família real alemã que reinou até 1918. Von Storck é no mínimo polêmica pois defende que as forças de segurança da Alemanha “deveriam ser autorizadas até a atirar em mulheres com crianças que estivessem entrando ilegalmente na Alemanha. Em 2018, ela foi temporariamente banida do Twitter e passou a ser investigada por discurso de ódio após chamar muçulmanos de “horda de estupradores e bárbaros”. 

Este encontro inusitado nos remete a dois fatores do nosso imaginário social brasileiro pouco ou quase nunca analisado pelos recentes historiadores das idéias: o desejo da elite brasileira de se ver reconhecida em uma herança cristã ibérica medieval como sendo o protagonista de uma linhagem  monárquica no Brasil, ideário, em parte, presente no pensamento de Rui Barbosa, mas que se funde com as células do neonazismo adormecido em solo brasileiro desde a década de 30, em tese, estando diametralmente opostos as utopias totalitárias do marxismo/stalinismo. Mas, nem tudo é o que parece ser. Afinal, neste cenário, todos são herdeiros do ambíguo/ambivalente trabalhismo na América Latina, como por exemplo, as lideranças políticas de Getúlio Vargas e Juan Domingo Perón. Esta ambivalência do trabalhismo, em especial no Brasil nos provoca, no momento em que o Partido fundado por Getúlio Vargas em 1945 foi o reduto da esquerda trabalhista brasileira, mas hoje tem como presidente o ex-deputado Roberto Jefferson, envolvidos nos escândalos do mensalão e que assumiu um discurso armamentista, religioso e anticomunista:

“No último mês, integrantes da Frente Integralista Brasileira (FIB), entre eles o presidente Moisés José Lima, filiaram-se ao PTB em São Paulo. O grupo, continuidade dos primeiros fascistas brasileiros, afirmou em comunicado que a sigla se converteu numa casa para os integralistas que quiserem disputar eleições no ano que vem e em 2024. Fundado em 1932 pelo jornalista Plínio Salgado, o integralismo imitava o fascismo italiano, de Benito Mussolini. O brasileiro, inclusive, havia se encontrado pouco antes com o Duce. Em 1938, o movimento tentou um putsch para derrubar o Estado Novo de Vargas. O regime começara um ano antes, com um golpe, e fora recebido com entusiasmo pelos integralistas. Logo, porém, eles se desiludiram por não integrar o governo. Atacaram o Palácio Guanabara, no Rio, onde o ditador dormia com a família. Não conseguiram vencer a resistência e foram presos. Salgado se exilou no Portugal salazarista”. 

É digno de nota que  Lutz Graf von Krosigk, avô da deputada Beatrix von Storch, pertencia a família de Karl Marx, sua avô paterna era meia-irmã de Jenny von Westphalen, esposa do filósofo fundador do marxismo. E ainda, que foi Lutz Graf von Krosigk que cunhou o conceito de “cortina de ferro” popularizado por Winston Churchil durante a Guerra Fria. É importante dizer que foi após o suicídio de Adolf Hitler e Joseph Goebbels, no testamento político do líder alemão, que Lutz Graf von Krosigk foi apontado como Ministro das Finanças do Führer, envolvido com a expropriação das riquezas judaicas, lavando dinheiro e perseguindo judeus alemães e europeus em todo período nazista. É nesta filiação ideológica que o imaginário social envolve dois grandes líderes políticos na América Latina: Getúlio Vargas e Juan Domingo Perón. A mitologização destas lideranças políticas se tornam perigosas, pois o que domina é o imaginário social autista em que estes líderes carismáticos estão inseridos, e que buscaram articular três estruturas: Família, Igreja e Estado.

Não pode-se esquecer que a sociedade brasileira é estruturada por estas três bases e busca legitimidade na proteção conservadora de suas tradições familiares. E ainda mais, no Brasil, vários descendentes de alemães foram membros da Seção Brasileira do Partido Nazista, fundado em 1928 em Timbó, Santa Catarina. Com Hitler na chancelaria, os teuto-brasileiros passaram a assediar e buscar seguidores no Brasil, sendo a segunda maior cédula nazista fora da Alemanha, funcionando de 1928 a 1938, sem qualquer interferência ou advertência do governo de Getúlio Vargas. Não podemos esquecer que a primeira cédula com maior integrantes do partido nazista fora da Alemanha foi a Bund germano-americano nos EUA. Todavia, Getúlio Vargas manteve durante a década de 1930 relações amistosas com o III Reich. Sua preocupação maior era com o avanço do comunismo, em especial com a liderança de Luiz Carlos Prestes. Entre os dois países existiam acordos de caças aos comunistas mantendo um serviço de inteligência e espionagem, inclusive expulsando judeus comunistas, como foi o caso de Olga Benário, esposa de Prestes. Em 1936, um representante do III Reich se disse satisfeito com as relações diplomáticas entre o Brasil e Alemanha, apesar da ameaça judaico-comunista. As relações diplomáticas, aparentemente, se estreitaram cada vez mais. Em novembro de 1937, em carta, Hitler se refere a Vargas como: “grande e bom amigo”. Vargas responde que desejava “sempre manter, e estreitar, cada vez mais, as relações de boa amizade, felizmente existentes entre os dois países”. Curiosamente estas trocas afáveis ocorreram um pouco antes da proibição do partido nazista no Brasil, após o golpe do Estado Novo, o que pode demonstrar que as relações entre o Brasil e Alemanha foi abrupta e inesperada. Não podemos esquecer que vários integrantes do governo Vargas eram simpatizantes do nazismo, entre eles Eurico Gaspar Dutra, Gois Monteiro e Filinto Muller, chefe de polícia, ex-senador e líder do Arena.

Neste mesmo contexto obscuro e ambíguo está inserido Juan Domingo Perón, que em 1943 foi nomeado Secretário do Trabalho e Segurança Social, defensor dos descamisados e protetor dos trabalhadores, destituído por um golpe civil-militar. Todavia as relações do General argentino com criminosos de guerra são estreitas e íntimas. Uma rede complexa e eficiente entre o governo de Perón, a Igreja Católica, o governo Suíço e a Cruz Vermelha possibilitou o refúgio em solo argentino de cerca de 300 nazistas, criminosos de guerra, entre eles: Adolf Eichmann, Joseph Mengele, Klaus Barbie, Ante Pavelic (Chefe de da guarda especial de Perón), Erick Priebke, Dinko Sakic, Joseph Schwamberber e Gerhard Bohne, Walter Kutschmann. Especula-se que Martin Bormann ideólogo de Hitler seria um deles fugindo para Argentina e encontrou abrigo político no Chile onde faleceu. Seu corpo nunca foi encontrado. 

É nesta outra face, que temos o atual presidente Bolsonaro, admirador inconteste do General Augusto Pinochet, que foi um ser humano desprezível que levou ao extremo a brutalidade política a ponto de ser condenado internacionalmente por ter cometido crimes contra a humanidade, por diversos assassinatos e atos de corrupção durante sua governança, e ainda, pela tortura de 31.947 pessoas e o exílio de 1.312, o que ajudaria a compor o total de 50.000 pessoas assassinadas na América Latina, durante a Operação Condor, com o apoio da CIA/EUA, e que pode ser comprovados acessando os “Arquivos do Terror”. Não podemos esquecer que o governo de Pinochet foi responsável por abrigar o Coronel da SS Walter Rauff, que implementou as câmaras de gás moveis na Alemanha e o recrutou para trabalhar como espião.

Recentemente, não pode-se esquecer, ainda, dos elogios de Jair Messias Bolsonaro ao ditador paraguaio Alfredo Stroessner: “porque do outro lado havia um homem com visão, um estadista que sabia perfeitamente que seu país, o Paraguai, só poderia continuar progredindo se tivesse energia”. “Então, aqui está minha homenagem ao nosso general Alfredo Stroessner”. Esta associação do liberalismo extremo com a direita autoritária emocionaria o profético Marquês de Sade, uma vez que durante a ditadura no Paraguai foram cometidas as piores violações, em regime de produção em massa, todos contra seres humanos, com prisões sem julgamento, desaparecimento, abuso infantil etc. Como foi o caso de Julia Ozório “que foi sequestrada em 1968 aos 12 anos e mantida como escrava sexual por dois anos” pelo ditador paraguaio. Ou ainda, o outro caso do “ coronel Pedro Julián Miers, então comandante do Regimento de Escolta Presidencial, de manter um harém com meninas e adolescentes entre 10 e 15 anos que foram oferecidos a Stroessner para serem estupradas”. (…) “Os militares caçavam meninas e as arrancavam de suas casas, em troca de empregos de parentes em instituições públicas. Ninguém podia falar nada. Fomos estuprados sem piedade. Eles não queriam ninguém com mais de 15 anos, porque disseram que já tinham ossos. duros “, disse a vítima em seu depoimento”. (…) “foram preparadas para serem posteriormente oferecidas como iguarias ao presidente e sua corte”, denunciou também o jornalista e historiador Bernardo em seu livro “O Último Supremo. Neri Farina”. Não faz muito tempo que foi descoberto um certificado de bons antecedentes fornecido a Josef Mengele, emitido pelo governo de Alfredo Strossner, no Paraguai. O criminoso nazista fugiu para a Argentina em 1940, se casou Nueva Helvétia no Uruguai e após a prisão de Eichmann na Argentina se escondeu no Paraguai provavelmente sob a proteção de ditador paraguaio, vivendo posteriormente ao Brasil, onde morreu em 1979 em Bertioga, litoral paulista. Por consequência, conforme afirma Meinerz (2013):

“Após a Segunda Guerra Mundial, identificamos a produção de vários textos que afirmam ter acontecido uma conspiração para a formação do IV Reich na América Latina. O fato de várias pessoas envolvidas com o nazismo terem escapado do tribunal de Nuremberg e se refugiado em terras latino-americanas deu o mote para a aparição das mais fantasiosas e  fantásticas  versões  sobre  suas  pretensas  atividades  secretas  com  vista  à  reorganização  do  partido nazista no continente. Uma dessas histórias aconteceu nas cidades brasileiras de Marechal Cândido Rondon e Rio do Sul. Ambas foram acusadas pelo “agente” Erich Erdstein de abrigarem os criminosos de guerra nazistas Josef Mengele e Martin Bormann, e nessas localidades estaria nascendo o IV Reich. Essas denúncias estão presentes em obras literárias e  reportagens  de  jornais  e  revistas sensacionalistas,  que,  embora  diferentes  no  gênero,  enfatizam:  reuniões  secretas, bases nazistas escondidas no meio da selva, perseguições e aventuras à la Sherlock Holmes e James Bond, a sobrevivência de Hitler, a formação do IV Reich neste continente, entre  outros”.

É neste cenário distópico produtor de quasímodos e ornitorrincos políticos, que observa-se que o principal conceito ideológico aglutinador/articulador na América Latina é o populismo trabalhista. É através dele que se faz presente o imaginário social, seja no pensamento marxista/stalinista, ou ainda, no fascismo/nazismo, inclusive nas versões latino-americanas, ou ibéricas, salazaristas e franquistas. E como em um túnel do tempo, na qual não estamos conseguindo nos remeter ao tempo contemporâneo, observamos o ex-deputado Roberto Jefferson ser preso acusado de ataques antidemocráticos contra as instituições, em especial ao STF e a democracia brasileira como um todo. E assim, oscilamos retropicamente, para em 2022 eleger um ex-presidente populista, cleptomaníaco, com feições autoritárias, e um presidente da República populista, apresentando comportamentos psicóticos que incita por vezes um imaginário absolutista, em outros momentos monárquico, e por fim, nazifascista.

*Dr. Wellington Lima Amorim é professor

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