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2024

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O encantamento de George

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Na própria companhia naval soube das maravilhas de um país chamado Brasil que, entre outras coisas, tinha as mais lindas mulheres do mundo

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George sentia-se no paraíso após passar por um inferno que o prostrou por terra e fê-lo fazer o que jamais pensara em fazer na vida. A ressaca ainda lhe pesava no corpo e na alma. Mas foi graças a seu desesperado e impensado ato de tomar aquela carraspana que o levou a conhecer pessoas bondosas como o pastor Henry, sua esposa Margareth e outras mais que com ele se solidarizam.

Permaneceu mais alguns dias a usufruir da hospitalidade e dos ensinamentos de Henry. Era tempo, no entanto, de reerguer-se e procurar outras formas de conseguir o montante para, enfim, realizar seu sonho. Após pagar as poucas doses de uísque ao taberneiro e deixar algumas libras para recompensar a acolhida, colocou, uma vez mais, sua mochila nas costas e partiu em busca de qualquer trabalho.

Não queria mais aparecer cansado e suado em outra aldeia. Ousou gastar alguns pences a mais e tomou um trem com destino a Londres. Talvez na cidade grande vislumbrasse algo melhor.

Decidiu desembarcar num subúrbio ao norte da capital inglesa. Logo encontrou uma estalagem onde decidiu pernoitar. Na manhã seguinte, após o desjejum, em conversa com o proprietário ficou sabendo de sua necessidade de contratar um cavalariço. O rapaz que lá trabalhara resolvera procurar outro ofício. George então falou que sabia cuidar de cavalos e poderia atender na cavalariça. O salário era pouco, mas não precisaria pagar pelo pouso e pela comida.

O serviço era intenso. O tempo todo chegavam cavaleiros, vindos de longe, com seus cavalos suarentos e cansados além de coches, carruagens e charretes. Alguns veículos eram puxados por mais de uma parelha. Imaginava não dar conta de tanto retirar arreios, acalmar animais nervosos, alimentá-los, limpá-los, escová-los. Havia noites em que pouco dormia.

No final do primeiro mês, ao receber seu soldo, o patrão fez uma observação:

— Meu rapaz, com este dinheiro que acaba de receber compre uma fatiota nova. Esta que você usa não é condizente com o nível de nossa estalagem.

Resultado triste depois de um mês de trabalho intenso. Teve de admitir que cuidar de cavalos não recompensaria. Não tinha outra indumentária para trocar enquanto a suja fosse lavada. Mesmo não sobrava tempo para lavá-la. O trabalho era em ambiente emporcalhado e com animais sempre mal cheirosos.

Após alguns meses resolveu tentar a sorte em outro serviço. Foi então que encontrou uma selaria. Ofereceu seus préstimos. Trabalharia uma semana, em caráter experimental, a fim de que o patrão pudesse observá-lo. Ficou muito mais do que esperava. Tinha horário para comer, dormir e lavar suas roupas. Ficou tempo suficiente para conseguir comprar vestimentas novas e decentes e ir atrás de uma empresa de navegação que partisse para a América.

Na própria companhia naval soube das maravilhas de um país chamado Brasil que, entre outras coisas, tinha as mais lindas mulheres do mundo, as nativas da floresta tropical, com sedosos cabelos negros e uma pele dourada. E um chefe de estado, um magnânimo imperador, que dava até terras e trabalho para artífices e artesãos. Optou por um navio que partiria do porto de Southampton com destino para o Rio de Janeiro.

Cumpriu a palavra dada a seu empregador. Permaneceria em seu serviço até terminar as peças que a freguesia havia encomendado. Certa tarde, após finalizar sua empreitada, despediu-se de todos, convidando-os para visitá-lo em sua nova morada, no Brasil. Logo que naquele país se estabelecesse, definitivamente, enviaria seu endereço.

Passou sua última noite em terra firme a arrumar suas coisas. Desfez-se da maior parte de sua bagagem doando-a aos amigos que fizera pelas ruas de Londres. Na manhã seguinte entrou no comboio que o levaria ao porto de Southampton.

O navio que deveria tomar já se encontrava no porto ultimando as arrumações para a partida. O burburinho no cais de embarque era intenso. Pessoas de várias nacionalidades aguardavam o momento de embarcar para um novo mundo ao sul da linha equatorial.

George foi um dos últimos a entrar no navio. Detivera-se a olhar para trás, para o mundo em que vivera até aquele momento. Não havia tristeza alguma em seu coração. Estaria duro por dentro que nada sentia ao deixar o seu berço natal? Não, o seu berço natal há algum tempo já ficara para trás. Não havia como permanecer numa Irlanda que ainda não se reerguera após a destruição causada pela peste que assolara as plantações de batata. Não havia como permanecer em uma Irlanda que continuava sob o domínio da coroa inglesa.

Não demorou a encontrar a cabine em que deveria viver durante quase quarenta dias junto a mais onze homens, das mais variadas idades. Um estreito corredor separava dois beliches de cada lado As grades das cabeceiras de seus leitos seriam os armários para pendurar seus pertences.

—Ainda bem que me desfiz de quase tudo. Nem teria onde e como guardar tantas coisas. — Resmungou para se mesmo.

Havia um estreito convés a bombordo onde os passageiros da terceira classe poderiam permanecer para usufruir da paisagem da terra, por algum tempo e depois para acompanhar as ondas do mar, os cardumes de peixe e os grandes animais marinhos que por elas desfilavam.

Encontravam-se já no terceiro dia em alto mar quando George vê passar pelo corredor que separava as cabines uma garota que fez seu coração pular de uma forma como nunca havia sentido. Tinha quase certeza que a conhecia. Se não fosse aquela por quem, à distância, se apaixonara quando tinha treze ou quatorze anos, deveria ser sua irmã gêmea, tal a semelhança.

Passou horas a lembrar-se daquela linda mocinha, sobrinha da cozinheira Abiageal que trabalhava no castelo do Conde de Sworth. Nutria por ela uma escondida paixão que ficara enterrada nos fundões do local onde nascera e vivera por tantos anos com sua mãe. De seu pai as imagens eram nebulosas. O muito que dele sabia era o que Sinead e os demais serviçais lhe contavam. A imagem daquela bela mulher, a desfilar com suas saias cheias de frufrus, pelo corredor da terceira classe, fê-lo estremecer todo e a rever um passado distante.

Ficou à espera de uma oportunidade para falar com ela. Não tardou a vê-la novamente. Viu-a, várias vezes, a entrar e a sair de uma cabine no outro lado do corredor, na parte destinada às mulheres que viajavam a sós. Como ele.

Dirigiu-se ao bar e pediu uma pequena dose de uísque. Para tomar coragem. Esperou por longo tempo, com o copo nas mãos, até vê-la passar pelo convés. Chegou o mais próximo possível. O perfume dela invadiu sua alma.

— Senhorita, senhorita!

A jovem, com sorriso nos lábios, voltou-se para ele. George tentava esconder o tremor que o assolava.

— Perdão, senhorita, se a interpelo, assim, desta maneira, Não é meu costume, mas eu creio que a conheço, que já a vi há muitos anos.

—Desculpe-me, senhor, mas não tenho lembrança de tê-lo visto alguma vez em minha vida.

— Se a senhorita não for a pessoa que eu conheci no Castelo do Conde de Sworth, no norte de Dublin, na Irlanda, deverá ser sua irmã gêmea.

George notou que a moça estremeceu. Mas logo se recompôs falando-lhe que era de Stratford upon Avon, a terra de Shakespeare, na Inglaterra. Com um sorriso logo falou que tinha compromissos na primeira classe. Com uma mesura, digna de um lorde, George abaixou-se e beijou sua mão. De imediato ela saiu em disparada escadaria acima.

Nos dias que se sucederam encontraram-se por diversas vezes, ou no corredor que separava as cabines ou no convés. Ela sempre apressada desfilando suas saias frufrus, a cada dia uma mais encantadora que outra. E George ficava a imaginar como ela conseguia guardar aquele guarda-roupa todo em espaço tão exíguo quanto a cabine em que viajavam. Não só ela como todas as demais colegas de viagem. E todas sempre apressadas. Num certo dia, ao passar perto dele, esticou os braços e cingiu-a pela cintura. Antes que conseguisse lhe dar um beijo, ela, com maestria, dele se desvencilhou.

— Parece até alguém treinada para dar um tombo em qualquer marmanjo que chegue perto dela. — Foi a primeira coisa que passou pela cabeça de George.

Certa noite estava ele debruçado sobre a balaustrada do convés a observar as circunvoluções que os raios do luar faziam sobre as ondas que beijavam a embarcação, quando sentiu que havia alguém, muito perto, a observá-lo. Era ela, mais bela ainda, sob a luz da lua. Sorriram. E quando deram por si estavam um nos braços do outro. George ficou louco. Era a primeira vez que sentia uma mulher em seus braços. Era a primeira vez que beijava alguém por quem ansiara tanto. Nada falaram naquele momento de encanto. Acariciavam-se com ternura imensa. Era como se já tivessem vindo de galáxias distantes e ali estavam, finalmente, a saciar uma sede intensa, uma saudade que nem sabiam de onde vinha.

— George, eu já sei que o seu nome é George. Eu não sou a garota que você conheceu no Castelo do Conde de Sworth. Sou, realmente, irmã gêmea dela. É uma longa história, a história que separa a minha vida da vida dela. Teremos muitos dias de viagem ainda pela frente e eu poderei te contar tudo. Agora eu preciso ir. Tenho trabalho a fazer no grande salão da primeira classe.

Com um último e apertado abraço e um prolongado beijo despediram-se. George passou as horas seguintes em puro êxtase, debruçado sobre a balaustrada do convés, admirando o ir e vir das ondas douradas pelos raios de uma ingurgitada lua.

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