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Na Vila de San Michelle II*

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Pinheiros curvavam-se, miríades de folhas secas voavam para todos os lados

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A estrada que levava de Verona até à propriedade dos Cailoto era plana e tinha em seu leito pedras que datavam de séculos. O trajeto poderia ser feito em menos de meia hora. Mas a lentidão com que o pároco conduzia o carreto talvez nem em uma hora chegariam ao destino. Thereza ficava a cada minuto mais apreensiva. Logo escureceria.

O cura atendera a um pedido de Marcelino. Quanto mais demorassem mais tempo ele poderia cavalgar ao lado dela.

Seguia calmamente deixando que seu corcel escolhesse o caminho pois seus olhos estavam o tempo todo voltados para ela.

Finalmente chegaram ao sítio dos Cailoto. Escurecera já quando adentraram a grande porteira. Luigi, pai de Thereza, angustiado veio receber a estranha comitiva.

— O que houve, filha minha, o que aconteceu que se demorou tanto. Até fomos no vizinho pedir uma carroça emprestada para ir atrás de você, mas eles tinham ido também para a cidade.

O pároco adiantou-se e explicou tudo aos aflitos pais de Thereza que a esta altura já estava nos braços de sua mama.

— Foi muita gentileza de sua parte, padre vigário, ter se dado ao trabalho de vir até aqui trazer minha filha e as nossas compras.

Após descarregarem o carreto e guardarem as compras Luigi convidou o padre e o jovem para entrarem e tomarem um caneco de vinho.

— Não podemos nos demorar, senhor Luigi —falou o apreensivo Frei Lorenzo —, pelas nuvens negras que estão no horizonte aproxima-se uma grande tempestade. Temos que nos pôr a caminho. Fica para outra ocasião. Amanhã espero vê-los na Missa em nossa Igreja.

Mal saíram para fora da propriedade já se via a saraivada de relâmpagos e se ouvia o ribombar dos trovões. Num repente águas torrenciais começaram a inundar o caminho. Por sorte houve tempo de retornarem. Abrigaram-se na parte inferior da grande casa. Logo vieram os empregados e ajudaram-nos a desatrelar o corcel do carreto. Os cavalos estavam indóceis. Com paciência Luigi e Marcelino conseguiram acalmá-los, oferecendo-lhes torrões de açúcar mascavo, um macio feno e muita água. O padre com seu rosário nas mãos fazia suas preces pedindo ajuda à Virgem Maria.

Água quente, toalhas e novas vestimentas foram oferecidas. Precisavam desfazer-se das roupas molhadas antes que uma gripe os derrubasse. Por sorte apenas a batinha do pároco estava molhada. Mas Marcelino teve que fazer uma troca completa de roupas.

Acomodaram-se na grande sala defronte à lareira acesa.

— Enquanto suas roupas secam vamos tomar nosso caneco de vinho. —sugeriu um solícito Luigi.

Marcelino via a aflição de frei Lorenzo. Precisava abrir a igreja bem cedo na manhã seguinte. Mas a tempestade não dava tréguas e não demonstrava cessar tão cedo. Em seu íntimo regozijava-se, pois por mais tempo poderia ficar perto daquela linda jovem que transtornara seu coração.

— Mais uns minutinhos e nosso jantar estará pronto — correu a avisar a solícita mama Angela Augusta.

O temporal continuava fortíssimo a castigar os arredores. Pinheiros curvavam-se, miríades de folhas secas voavam para todos os lados.

— Ainda bem que os animais estão bem protegidos e que nossa casa é bem estruturada, senão estaríamos todos a voar por estes céus de Deus. Mas aproximemo-nos da mesa que está posta e vamos agradecer ao Pai por estarmos bem guardados e por esta comida.

Frei Lorenzo foi o primeiro a chegar ao lado da mesa. Aguardou um pouco. E no silêncio da noite —apenas cortado pelo barulho do vento a açoitar o mundo e da chuva torrencial que não dava trégua— persignou-se, ergueu as mãos para o Alto e fez uma contrita prece.

Apesar do mau tempo não perderam o otimismo. Muitos assuntos foram abordados. Todos riam. Elogiavam as massas, os molhos e os assados de mama Angela. Todos menos Thereza e Marcelino. Quando ela percebia o olhar dele fixo nela, tentava desviar e não conseguia. Era como se o pensamento de ambos soasse tão alto como os trovões lá fora.

Finda a refeição ainda ficaram por algum tempo a conversar, na esperança de que a infernal tempestade amainasse.

— Meus amigos —falou finalmente o dono da casa— não creio que por hoje vocês consigam sair daqui. É melhor arrumarmos logo as camas para repousarem. Amanhã temos muito a fazer.

Angela e Thereza correram a providenciar roupas de cama e cobertas. Frei Lorenzo não se sentia bem em dormir no mesmo quarto com Marcelino. Nada falou. Mas o jovem percebeu.

— Dona Angela, eu posso dormir lá embaixo ao lado de meu cavalo. Frei Lorenzo tem as suas preces ainda para fazer a sós.

— Mama, porque ele não dorme no meu quarto? — adiantou-se Gioachino—Tem uma cama vazia mesmo lá.

O Padre suspirou aliviado. Enfim, todos se recolheram. Na madrugada a tempestade acalmou. Uma débil lua aparecera em meio a algumas nuvens. Às quatro horas Luigi acordou com um leve ruído. Levantou-se e encontrou um desesperado padre a andar pelo pátio. O pobre homem até tentara encilhar o cavalo e atrelá-lo ao carreto, mas seus esforços foram em vão. O animal era relutante.

— Calma, meu amigo, calma. Já, já daremos um jeito nisto. Vou pedir para Angela preparar um bom café com leite e umas fatias de polenta enquanto eu ajeito este animal aqui. Em seguida sairemos nós dois e você estará a postos, antes do raiar do dia, para atender os paroquianos.

— Sim, mas e o rapaz? O Marcelino?

— Deixa o moço dormir. Depois ele pega o cavalo dele e vai.

Logo que clareou o dia Gioachino acordou. Levou um susto ao ouvir alguém a ressonar na cama ao lado. Espreguiçando-se e a bocejar ruidosamente tratou de logo abrir as venezianas para deixar o sol entrar. O sono ainda o dominava e nem se lembrava de que fora ele mesmo quem fizera a sugestão.

— Ei, amigo, quem te deu permissão para ficar dormindo aqui?

Marcelino acordou-se sobressaltado.

— Ei, Gioachino, não queria que eu fosse dormir no quarto de tua irmã, não é mesmo? Apesar de que seria melhor do que ficar aqui a ouvir estes teus horrendos ruídos noturnos.

— Quem ouviu o que não deveria ouvir fui eu. O amigo gemia e ficava o tempo todo a sussurrar: “Ah! Minha amada, como você é linda! ”

— Eu só não lhe dou um safanão em respeito à hospitalidade que tive nesta casa.

Caíram os dois na gargalhada e após a higiene matinal dirigiram-se para a cozinha.

— Apressem-se rapazes. Arrumem-se que hoje é domingo e devemos seguir para a Igreja. Caso Luigi não retorne em tempo vamos ver com o vizinho se podemos seguir em sua carroça. Ou teremos um longo caminho a pé.

Marcelino logo falou a Gioachino que cederia seu cavalo a ele, pois poderia ir muito bem acomodado no carreto. Teve como resposta uma sonora gargalhada.

Luigi retornou em tempo. A missa fora muito curta na análise de Marcelino que fizera malabarismos para ficar ao lado de Thereza.

Na saída, a despedida. O jovem, na frente de todo mundo beijou as mãos da moça que acelerara seu coração. Pediu permissão a Luigi para visitá-los outra vez. Logo findaria o curso de latim e deveria retornar a Verona.

As aulas de Marcelino eram realizadas em todas as manhãs, com exceção dos domingos e dias santificados. Logo após o almoço ele pegava o seu corcel e se dirigia ao sítio dos Cailoto. Acompanhava Luigi no amaino da terra, no trato dos animais, ajudava a consertar uma cerca. No correr dos dias já sabia todos os detalhes de uma vida campesina. Por poucos minutos, conseguia permanecer ao lado de Thereza. Mas não encontrava meios de conversar com ela.

Escreveu a seus pais que ao curso de latim acrescentara o de grego e que precisaria permanecer por pelo mais um mês na Paróquia de San Michelle Archangello.

Quando não aguentava mais resolveu contar ao senhor Luigi o que se passava em seu coração.

— Sim, sim, meu jovem. Desde o começo eu sei que o seu interesse nunca foi dirigido para ser um campesino como nós. Vamos combinar o seguinte. Vou falar com minha mulher e depois com minha filha. O amigo poderá vir aqui sempre que quiser mas tem que me prometer uma coisa.

— Prometo tudo o que o senhor pedir, senhor Luigi, contanto que me permitam conversar com ela.

— Então pode passar aqui em nossa propriedade quantas horas puder e quiser mas só poderá conversar com minha filha depois do jantar e por apenas meia hora e ao nosso lado.

Ao voltar para a Paróquia o feliz jovem foi correndo contar a novidade a Frei Lorenzo que o abraçou comovido.

No final do mês retornou a Veneza. Prolongara-se por tempo demais em Verona e muito trabalho em sua terra estava a esperar por ele.

* Na Vila de San Michelle I foi publicado no JMais em 24 de julho de 2021

Continua…

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