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Município pagou por viagens que sequer existiram, diz MPSC

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Beto Passos e Renato Pike recebiam, em média, 10% de propina por licitações fraudadas, segundo investigação

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Entre os mais duradouros, rentáveis e danosos contratos alicerçados em irregularidades, mantidos pela Prefeitura de Canoinhas, segundo o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), estão os relacionados às fraudes em contratações de serviços terceirizados de transporte coletivos de alunos e de passageiros.

A colaboração premiada de Adelmo Alberti remete a 2017, quando aconteceu a primeira licitação do transporte escolar do governo Passos. O edital, segundo Alberti, já estava direcionado para o Coletivo Santa Cruz. O proprietário da Bitur, de Bituruna, contudo, insistia em participar do certame e ameaçava ir à Justiça para contestar o edital.

Diante da situação, Renato Pike e um empresário teriam articulado para presentear o empresário com uma Hilux no valor de R$ 200 mil. Para o Coletivo Santa Cruz vencer o processo teria de pagar propina de 5% para Pike, Passos e o então responsável pelas licitações, Diogo Seidel, afirma Alberti. Pike era o secretário de Administração à época. Passos entrou mais tarde no acerto e exigiu que se aumentasse para 10% a participação do trio. A Bitur se contentou com a caminhonete e não contestou o processo, sendo que o Coletivo Santa Cruz venceu a licitação sem concorrente, diz Alberti.

O prefeito de Bela Vista do Toldo disse que o transporte escolar de Canoinhas por vários anos vem sendo realizado na forma de lote, o que impede a participação de mais empresas. Para viabilizar o transporte das demais linhas o Município compra passes para distribuir aos alunos, aumentando o valor pago pelo transporte escolar. Por exemplo, a prefeitura compra 20 passes para os alunos do distrito de Paula Pereira virem estudar no centro.

Vencido o edital, o Coletivo, segundo Alberti, repassava cerca de R$ 40 mil por mês a Pike, Passos e Diogo.

Em determinado ano não especificado por Alberti, o Santa Cruz perdeu a licitação, mas boicotou a empresa vencedora ao ponto de ela desistir e o Santa Cruz assumir o transporte.

As licitações vencidas pela empresa já renderam R$ 20 milhões em empenhos e mais de R$ 15 milhões em pagamentos já efetivados ao coletivo segundo levantamento do MPSC.

Além de Alberti, assinou termo de colaboração premiada com o MPSC, o empresário Miguelangelo Dias Hiera, sócio-proprietário da empresa Transportes Hiera Ltda. Ele não só corroborou a denúncia feita por Alberti como detalhou vários processos fraudados.

SEDE AO POTE

E-mail trocado entre Beto e Pike mesmo antes da eleição, em outubro de 2016, mostra que eles trocavam informações sobre o último edital do transporte escolar. O e-mail sobre os processos licitatórios do transporte escolar são encaminhados por Beto aparentemente para o seu futuro secretário de Desenvolvimento Econômico, Paulo Machado, já que o email para o qual ele encaminha os processos tem o nome do ex-secretário. Procurado pela reportagem, Machado disse que nesse período morava e trabalhava em Blumenau e foi convidado para auxiliar o prefeito eleito no processo de transição de governo. “Nesse período diversos processos internos da prefeitura foram avaliados com o objetivo de identificar possíveis irregularidades e planejar políticas públicas do governo, não posso especificar exatamente quais tendo em vista tratar-se de algo que ocorreu em 2016”, disse.

Mesmo antes de assumir, Pike demonstrava interesse pela licitação do transporte escolar em email trocado com servidor do setor de Licitações/Reprodução

Em outro certame, Hiera contou que recebeu R$ 10 mil de Wilson Osmar Dams em dinheiro e outros quatro cheques do mesmo valor que deveriam ser repassados a Pike. Dessa forma, Dams queria assegurar que venceria o processo licitatório 16/17. Hiera teria apenas três das 34 linhas de transporte escolar, segundo o acordo. Mais tarde, ao reivindicar as três linhas, Hiera disse que foi enxotado pelos Dams.

Em outra concorrência, já em 2020, Hiera contou que trouxe um amigo do setor de transportes que opera em Itaiópolis para participar do certame. Como das vezes passadas, as exigências do edital o tornavam inelegível para executar o serviço, mas a Soetur Turismo preencheu todos os requisitos, o que levou Pike a chamar Hiera a sua revenda de automóveis. Pike desligou seu celular e o de Hiera e escreveu em um papel “R$ 400 mil”, perguntando se era o suficiente para que Hiera e Adelmar Soethe, proprietário da Soetur Turismo, desistissem do certame. O valor seria pago em veículos, sendo que R$ 100 mil ficariam com Pike e Passos já que o valor seria bancado pelo Coletivo Santa Cruz. Hiera e Soethe toparam e assinaram um termo desistindo do certame.

Hiera foi pago com uma caminhonete da revenda de Pike, assim como Adelmar. Ocorre que Hiera descobriu que a sua caminhonete Amarok estava cheia de multas e problemas na documentação. Irritado, ele devolveu o veículo. Tempos depois Hiera comprou uma Amarok em uma concessionária da cidade. Sabendo disso, Pike e Rodrigo Dams (do Coletivo Santa Cruz) teriam ido até a loja para assumir a dívida de Hiera, o que o dono da loja se recusou a fazer sem o aval de Hiera.

Conversas telefônicas por WhatsApp mostram intensas discussões entre Hiera e Pike, com o vice-prefeito ameaçando o empresário por diversas vezes. “A camionete Toyota/SW4 entregue a Ademar Roberto Soethe, proprietário da empresa Soetur, também foi identificada pelo Gaeco de Lages, chancelando a corroboração premiada de Miguelangelo sobre as amarras criminosas do acordo tabulado entre os agentes públicos e empresários”, observa o MPSC.



EMPRESA NÃO CUMPRIA EDITAL
O MPSC apurou uma série de pontos dos editais de licitação que não eram cumpridos pelo Coletivo Santa Cruz. “Mais que executar os serviços com veículos inapropriados, o que, por si só, já lhes garantiu auferir vantagem financeira indevida, uma vez que deixaram de adquirir uma frota de novos veículos que atendesse os requisitos do contrato, da legislação municipal e, especialmente, que resguardasse a segurança dos alunos, os representados majoraram deliberadamente os trajetos percorridos pelos ônibus, cobrando um valor dos cofres públicos por um serviço inexistente”, anota o MPSC.

As diligências de campo identificaram que as linhas percorridas de fato pelos veículos possuem quilometragens significativamente inferiores ao previsto no instrumento convocatório e no contrato. Segundo apurado pelo MPSC, há linhas que possuem diferença de até 50% entre a quilometragem paga pelo município e a quantidade de quilômetros efetivamente percorrida pelo ônibus terceirizado.

O MPSC acredita que com apenas seis linhas o esquema conseguia desviar R$ 38 mil dos cofres públicos.



LINHAS INEXISTENTES

O Município teria pagado por linhas que sequer existiam. O Projeto Tênis Comunitário, por exemplo, foi interrompido na pandemia, mas, mesmo assim, o Município realizava o pagamento para o transporte de alunos desse projeto, “desviando dinheiro público à luz do dia e a olho nu da população.”

A reportagem apurou que o projeto era feito em parceria e funcionou de 2000 a 2019, mas parou por causa da pandemia e ainda não foi retomado. Apesar de a documentação da prefeitura falar em Praça Lauro Muller, o projeto ocorria de fato no Parque de Exposições. O MPSC não cita períodos, mas ao que tudo indica o Município seguiu pagando por 110 km rodados uma vez por semana para transportar os estudantes participantes do projeto mesmo com o Tênis Comunitário inativado.

Em consulta às placas dos veículos monitorados havia ônibus registrados como sendo da empresa Coletivo Santa Cruz LTDA, quando deveriam pertencer à empresa Transportes e Fretamentos Santa Cruz LTDA, detentora do contrato de transporte escolar. Em razão disso, apurou-se que parte dos veículos em anos posteriores foram ilegalmente agraciados com a isenção do IPVA, já que somente frotas com mais de 50 ônibus teriam direito a essa isenção. Quem assinava o termo de isenção do imposto era o prefeito.

“Conforme demonstrado, o esquema de corrupção operado contra o município de Canoinhas pelos empresários do grupo Santa Cruz e os agentes políticos Beto Passos e Renato Pike conta com pluralidade de métodos de desvios, seja executando os serviços com veículos sucateados, falsificando a quantidade de quilômetros percorridos pelos ônibus, declinando-se da contratação de seguro obrigatório ou obtendo-se favorecimento indevido na isenção de IPVAs. Tais estratagemas dão vazão à fonte contaminada que golfa os valores desviados destinados ao lucro exacerbado e ilegal da empresa que, consequentemente, garante o pagamento das propinas para Beto Passos e Renato Pike, na proporção de 10% dos pagamentos realizados, conforme mencionado anteriormente”, conclui o MPSC.



URBANO

Termo de autorização precária assinado por Weinert

Na sua argumentação, o Ministério Público observa que o Coletivo Santa Cruz opera desde 2005 com uma autorização precária assinada pelo então prefeito Leoberto Weinert (MDB) no transporte urbano. O documento deixa claro que empresa só poderá explorar o serviço de transporte coletivo urbano enquanto um processo licitatório não for concluído. Isso, de fato, nunca ocorreu. “Apesar de ter sido uma autorização precária, decorridos dezesseis anos, o ato administrativo ainda é invocado pelos atuais gestores do município de Canoinhas para garantir a contratação da empresa investigada”, observa o MPSC.

O JMais entrou em contato com Weinert questionando porque ele não procedeu o prometido processo licitatório, mas ele não retornou o pedido.




CONTRAPONTO

A defesa de Passos disse que “depois que tivermos acesso a tudo o que existe teremos como avaliar e manifestar algo”, acrescentando que já apresentou pedido ao Tribunal de Justiça.

A defesa do Coletivo Santa Cruz não quis se pronunciar, assim como a de Pike.

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