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Interesses das Forças Armadas vão além do bem-estar do povo

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Os militares não estão nesse barco para livrar o país mais uma vez do “fantasma do comunismo”

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“Quando a política entra por uma porta do quartel, a disciplina sai pela outra”

Peri Constant Bevilaqua (Ministro do Supremo Tribunal Militar de 1965 a 1969)

No domingo, a coluna Ponto de vista, de José Ernesto Wenningkamp Jr, abordou uma temática que tem dominado o noticiário político do país e causado preocupação em muita gente: o discurso golpista de Jair Bolsonaro (que sabe que suas chances de perder são enormes) e a ressurreição da ideia de “fraude nas urnas eletrônicas”. Se até algum tempo atrás, tal tese parecia uma mera bravata ou “cortina de fumaça”, como os analistas políticos gostavam de dizer, hoje ela já nos deixa com um pé atrás por conta de um singelo motivo: a adesão de uma parcela significativa das Forças Armadas a estas ideias e a sua atual imersão no processo eleitoral. É justamente neste último ponto que eu gostaria de chegar – as Forças Armadas. Pretendo aqui analisar e discutir o porquê dessa adesão tão forte das Forças Armadas ao presidente da República e seus devaneios autoritários, o que elas estão ganhando com isso, e, não menos importante, o que isso nos diz sobre nossa “democracia”.

Importa mencionar que o retorno dos militares para a vida política do país se dá um pouco antes da chegada de Bolsonaro ao poder, ainda na gestão do então presidente Michel Temer. É durante este governo, por exemplo, que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) foi recriado, passando a ter como ministro, o General Sérgio Etchegoyen. De igual modo, foi na gestão Temer, que o Ministério da Defesa (concebido e criado originalmente com o intuito de simbolizar a supremacia do poder civil sobre o militar) teve pela primeira vez um militar como titular da pasta, a saber, o General Joaquim Silva e Luna. Também passaram para comandos militares nessa administração a presidência da Funai (Fundação Nacional do Índio), a Secretaria Nacional de Segurança Pública e cargos estratégicos do segundo escalão, como o controle do gabinete da Casa Civil.

Contudo, foi com a vitória de Jair Bolsonaro em 2018, que as Forças Armadas viram seu poder de atuação crescer de modo mais expressivo. Para se ter uma ideia, o atual presidente mais que dobrou o número de militares ocupando cargos políticos na administração federal. Enquanto ao fim da gestão Temer o número de militares em cargos políticos não ultrapassava a marca de 2.765, com Bolsonaro, temos hoje cerca de 6.157 nas mais diversas esferas do governo. A partir de tais dados, nós já começamos a nos aproximar do porquê dessa adesão irrestrita dos milicos para com Bolsonaro. A resposta para tal é: benefícios múltiplos e muito dinheiro envolvido.

Não sejamos tolos, os militares não estão nesse barco para livrar o país mais uma vez do “fantasma do comunismo”, tampouco estão colados nesse governo porque ele seria o mais patriótico e moral que o Brasil já teve. Longe disso. Eles sabem que estas coisas estão longe de serem reais, assim como sabem que o mandatário da nação é uma figura pouco capacitada e que seu governo é desastroso em variados setores, porém, os pretensos “defensores da pátria” perdoam tranquilamente o esfacelamento e destruição do seu país por uma razão muito simples: a mamata que lhes cai nos bolsos. Para que não digam que estou aqui a fazer ilações ou falas infundadas, trago abaixo algumas das generosas benesses concedidas pelo presidente da República aos seus amigos fardados. Vamos a elas:

  1. Em 2022, pelo segundo ano consecutivo, o Ministério da Defesa teve prioridade na aplicação de recursos. Foram liberados nada mais nada menos que R$ 8,8 bilhões que serão utilizados em ações como compra de caças e submarinos. Tal valor é significativamente maior do que aqueles reservados a saúde, que ficou com R$ 4,6 bilhões, e educação, que ficou com R$ 3,6 bilhões.
  2. Em julho de 2021, um decreto baixado pelo governo Bolsonaro beneficiou 2.562 militares com cargos em tribunais e estatais, bem como em bancos e missões no exterior. Tal decreto, em síntese, autorizou estes militares a permanecerem em seus cargos por tempo indeterminado.
  3. A Reforma da Previdência que foi aprovada pelo Congresso e que impactou diretamente a vida de milhares de brasileiros, deixou de lado inicialmente os integrantes das três forças. Um outro texto, bem mais leve, foi aprovado depois para tratar especificamente das Forças Armadas.
  4. No mês de abril de 2019 a atual gestão estabeleceu decreto de precedência hierárquica no Ministério da Defesa. Isso quer dizer que, em uma eventual disputa por cargo entre um civil e um militar da ativa, o militar tem preferência no momento da seleção.
  5. Portaria assinada por Bolsonaro em abril de 2021 que autoriza o acúmulo de salários e aposentadorias acima do teto constitucional permitido ao funcionalismo público (previsto hoje em R$ 39, 3 mil) permite que generais que fazem parte do atual governo possam receber até R$ 350 mil a mais por ano. Esta proposta beneficia o próprio presidente, seu vice, Hamilton Mourão, além de um grupo de pelo menos mil servidores federais que possuíam desconto em suas remunerações a fim de não furar o teto.

Como esquecer ainda, a verdadeira farra protagonizada pelas Forças Armadas com o dinheiro público do contribuinte no intercurso do governo Bolsonaro? São muitas. Entre fevereiro de 2021 e fevereiro de 2022 por exemplo, foram gastos mais de R$ 56 milhões em filé mignon, picanha e salmão pelos militares, a maioria destas compras, feitas por meio de pregão ou dispensa de licitação. Cito ainda, as aquisições de “suma importância” que vieram à tona em abril deste ano, como a compra de 35 mil unidades de viagra, 60 próteses penianas e a obtenção de Minoxidil e Finasterida, usados para combater a calvície. Isso para ficar apenas em alguns casos.

É óbvio que diante de tantas vantagens adquiridas, mais cedo ou mais tarde, uma parcela significativa de membros de tais forças iriam acabar cedendo ao discurso golpista do chefe. Afinal, assim como ele teme perder os privilégios que a cadeira da presidência da República lhe concedeu, elas também temem perder a vida boa e a influência que até aqui conquistaram. O grito autoritário de ambas as partes nada mais é que uma expressão de desespero.

Mas do grito autoritário ao golpe de Estado, existe uma distância considerável. Ainda que o presidente e a parte do Exército, da Marinha e da Aeronáutica que o apoiam muito o desejem, é preciso mais do que meramente uma meia dúzia de soldados nas ruas para que um golpe se efetive de fato. Lembremos que, quando o de 1964 ocorreu, outros elementos foram importantes para tal empreitada, como a chancela de uma ampla maioria da sociedade civil, do empresariado e de outros países, elementos estes que, no presente momento, Bolsonaro não possui, pelo menos não no nível que precisaria. No entanto, o simples fato de estarmos discutindo e colocando no campo das possibilidades um eventual ataque contra o aparato democrático do país e a simples bagunça que uma tal tentativa possa causar, já denota em si uma democracia fraca e adoecida, consequência de inúmeras questões que o Brasil deveria ter enfrentado e não enfrentou. Uma destas diz respeito justamente a uma reforma das Forças Armadas, as quais devem se enquadrar no ordenamento democrático, ao invés de querer que este se enquadre naquilo que elas imaginam ser o ideal. Que devem trabalhar, ao invés de ficar procurando cabides e benesses em governo X ou Y. Que devem respeitar, servir e defender o país, ao invés de conspirar diuturnamente contra ele.

***

Eis desse modo, aquela que constitui uma das principais tarefas daquele(a) que venha a assumir o Palácio do Planalto (na hipótese de este não ser o próprio Bolsonaro, claro) no dia primeiro de janeiro de 2023: devolver os militares para os quartéis e despolitizar estes últimos, fazendo com que as Forças Armadas voltem a ser instituições do Estado Brasileiro, e não de governo, como vem acontecendo. Isto certamente será positivo para as três forças e para sua credibilidade, que já tem algum tempo, não é das melhores. É uma tarefa complexa, mas é uma tarefa que demanda urgência. Com efeito, a história está mais uma vez a nos mostrar que a mistura das fardas e coturnos com a política não deu e dificilmente dará certo.


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