quinta-feira, 18

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abril

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Perfumadas e coloridas flores do campo choveram sobre eles e o som do hino veneziano soou no ar

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Thereza, ansiosa, corria por todos os cantos da casa. Ora ajudava Mamma Angela na cozinha, ora juntava as mais frescas e coloridas flores do campo para enfeitar as salas, os corredores e o grande avarandado da entrada.

A cada passo perguntava à sua mana Stella se suas vestes estavam condizentes, se seu cabelo estava bem arrumado.

— Thereza! Ele te conheceu suada, cansada, com um lenço amarrado em tua cabeça, com vestes campesinas e desde então está correndo atrás de ti…

— Sim, eu sei, mas a e família dele. São pessoas de estirpe. A mãe dele é filha de franceses que moravam em um palácio em Veneza… Preciso estar bem apresentável…. Sabe como é a primeira impressão é a que fica…

— Quer melhor impressão do que a comida que a Mamma vai servir para eles? Nunca comeram e jamais comerão um manjar assim. Espere para ver. E trate de aprender a cozinhar tão bem ou melhor do que ela porque nunca se sabe o futuro. Pode ser que seja dos segredos desta culinária que somente a Mamma sabe preparar que dependerá a nossa vida.

Riram as duas e começaram a cantarolar e a dançar uma valsa veronesa.

— Meninas —interrompeu-as Luigi —, vocês viram o Gioachino? Preciso dele para montarmos a grande mesa lá fora.

— Mas papá, o almoço não será servido no salão de jantar?

— Não, minhas filhas, vocês nem sabem, mas os nossos empregados e suas famílias farão parte de nossa celebração. Sempre estiveram ao nosso lado e hoje não será diferente. Você nem imagina, minha filha, o que eles estão preparando para homenagear seu futuro noivo e a família dele.

Quando as meninas foram ao pátio defronte ao grande avarandado encontraram já uma cobertura de ripas cobertas com galhos de pinheiro para sombrear o novo ambiente. O chão estava coberto de seixos rolados que haviam trazido de um pedregoso regato cujas águas fluíam a cantar nas proximidades da montanha. Os rapazes, filhos dos agregados de Luigi haviam saído naquela madrugada indo em busca daquele belo e rutilante sedimento para forrar todo o terreno desde a grande porteira até a entrada da casa. Thereza não continha as emoções. Comovida, entre lágrimas, abraçou seu pai.

— Mais flores precisaremos colher, Stella. Vamos! Rápido! Nossos convidados não tardarão.

Compridas mesas foram montadas. Sobre elas estenderam-se as mais belas toalhas de linho, ricamente bordadas, herança tradicional da família desde os tempos do tataravô Bengiamino e sua amada Beatrice.

A louça, tradicional da família, assim como as taças, os copos e os talheres, guardados já por tantas gerações, foi retirada do baú, de onde só saíam em ocasiões especiais.

— Mas papá, a Mamma não preparou massas, molhos, assados e o radiccio com toicinho para tanta gente.

— Minhas filhas, vocês não conhecem sua mamma? Não sabem que em nenhuma família de nossa terra se faz comida apenas para meia dúzia de pessoas? Quanto nhoque e quantos ravióli vocês ajudaram a enrolar e a rechear ontem? Pois já está tudo aquilo dentro dos panelões a ferver. Além daquele tagliatelle do tamanho justo. Aprendam com sua Mamma. Jamais se faz pouca comida. Nunca se sabe quantos virão para comer e nem o tamanho de sua fome.

Nem perguntaram sobre os assados. Sabiam que não eram poucos os leitões e nem as galinhas que na véspera tinham sido abatidos.

Jarras de vinho e de refrescos elaborados com a mais diversas frutas colhidas naquela manhã do pomar dos Cailoto cobriam as mesas.

Tudo estava pronto e no lugar. A família em peso estava no grande avarandado a aguardar os convidados. O silêncio foi interrompido pelo som de gaitas, flautas e violinos. Instrumentos musicais acompanhavam alegres cantores que se aproximavam. Entoavam melodias tradicionais da região. Todos com os trajes típicos da colônia veronesa. Moças com adornos floridos na cabeça. Nas mãos, imensos ramos de flores e os mais variados presentes. Postaram-se, em fila, como se fossem uma guarda de honra do lado de fora da grande porteira. Ao findar uma cançoneta, aplaudiam e já davam início a outra.

Ao longe apontavam reluzentes coches com cavalos festivamente ajaezados cobertos com fitas das cores de Verona e de Veneza. No exato momento em que permaneceram parados em frente ao portão as mais belas, perfumadas e coloridas flores do campo choveram sobre eles e o som do hino veneziano soou no ar.

Pietronella não se conteve. Abriu a portinhola do coche e saiu a abraçar, um a um os integrantes de tão festiva recepção.

— Esta é a minha Pietronella, a Pietra que eu conheci, a Pietra do meu coração —embevecido, exclamou Domenico—, sempre pronta a abraçar até quem apenas a cumprimenta de longe.

Enfim a comitiva conseguiu chegar para junto da família Cailoto. As alegres músicas continuavam lá fora. Após as formais apresentações as visitas conseguiram aproximar-se da bacia cheia de límpida água a fim de refrescarem suas faces e suas mãos. Além da família de Marcelino vieram também amigos, não apenas de Veneza, como também os que fizera em Verona quando lá estivera para seu curso de latim. E, claro, não poderia faltar o grande amigo, Frei Lorenzo, alguns sacristãos e os demais padres da Paróquia de San Michelle Archangello.

Foram servidas taças do mais fino vinho espumante produzido na região. Luigi tomou a sua em suas mãos e com ela bem no alto fez um brinde de boas-vindas aos recém chegados.

Um momento solene no grande avarandado. A um lado a família Cailoto, com uma nervosa Thereza que não cessava de esfregar as mãos umedecidas de um suor frio que já encharcava seu mimoso lencinho de seda. No outro lado da grande mesa Marcelino, seus pais, seus irmãos e o amigo frei Lorenzo.

Fora, a música era suave, parecendo que os sons vinham das montanhas distantes. Cantores a bocca chiusa entoavam sublimes melodias acompanhados pelos músicos a solar suavemente seus instrumentos.

Domenico Castagna levantou-se e em tom solene começou a discorrer sobre a história de sua família. Ergueu então a sua taça que reluzia ao sol.

— Meus amigos Luigi e Angela, neste momento auspicioso em que o sol do meio-dia incide seus raios sobre este líquido maravilhoso que os deuses nos enviaram, eu e minha mulher Pietronella pedimos, solenemente, a mão de sua dileta filha Thereza para casar-se com meu filho Marcelino, aqui presente.

Luigi e Angela levantaram-se e abraçados levaram sua filha mais velha para sentar-se ao lado do jovem Castagna.

— Em nome de nossa filha Thereza, aceitamos o seu pedido.

Taças foram erguidas em um uníssono brinde. Marcelino beijou a mão de sua amada. A seguir colocou uma larga aliança de ouro no dedo anular de sua mão direita ao mesmo tempo em que exibia a sua.

Aplausos e vivas, repentinamente, quebraram aquele solene silêncio. Continuavam os brindes, os parabéns e os desejos de felicidade.

 A confraternização encontrava-se no auge quando Mamma Angela, com a autoridade peculiar a todas as boas cozinheiras ordena a todos que se dirijam para o lado de fora a fim de tomarem assento em seus lugares, pois se a comida não for servida e saboreada no tempo certo perderá todo o seu sabor. Ela estava certa como certas estão todos os que da culinária fazem a sua arte e a sua vida.

A festa perdurou noite adentro. Camponeses de todo o redor acorreram para felicitar os noivos.

Dois anos depois Thereza Cailoto foi levada pelo braço de seu pai Luigi ao altar da Igreja de San Michelle Archangello tornando-se esposa de Marcelino Castagna.

A festa de casamento foi muito simples. Os tempos já eram outros. Os recém-casados passaram a residir na propriedade dos pais dela.

Thereza continuava a realizar os mesmos serviços que desde criança estava habituada a fazer. Ele singrava os mares em função de sua profissão. Quando retornava era uma festa. Trazia-lhe presentes do outro lado do Mediterrâneo e até das terras de Espanha.

Quando o primeiro filho nasceu o mundo em redor havia mudado. A revolução industrial modificara o comércio. Os teares na casa dos Cailoto ficaram silenciosos. O pouco que se tecia era apenas para uso familiar.

A Companhia de Navegação em que Marcelino trabalhava requisitou-o para trabalhar em navios que operavam em mares distantes. Talvez levasse até mais de um ano para retornar.

Uma destas viagens teve como destino o porto do Rio de Janeiro. O navio por lá permaneceria vários dias até que toda a carga estivesse armazenada em terra firme. Precisavam ainda aguardar a chegada dos carroções que trariam uma grande quantidade de sacas de café que seriam levadas para a Europa.

No seu dia de folga Marcelino resolveu conhecer a grande cidade. Embevecido com a deslumbrante visão da magnífica baia ladeada de morros foi andando, lentamente, pela beira do cais até tomar a direção de uma grande praça.

Quando deu por si estava a perambular por um estranho beco. Olhou para todos os lados, para o sol para ver a direção que deveria tomar. Tomou seu relógio nas mãos para ver a hora. Nunca ficou sabendo nem em que horário perdeu os sentidos. Uma cacetada em sua cabeça levou-o ao chão.

(Continua)

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