terça-feira, 23

de

abril

de

2024

ACESSE NO 

Fulminado pelo olhar de Potira

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Cabelos lisos e reluzentes desciam-lhe como um manto escuro pelas costas

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Quando resolvera deixar para trás os tempos tranquilos passados em sua terra natal, Jorge jamais imaginaria levar uma tão tumultuada vida. De dia os afazeres no campo ou em sua serralheria. À tardinha, as incursões para a Vila Nova do Príncipe, ao encontro de amigos. E no das muitas mulheres que cruzaram seu caminho.

As casas da vila, em sua maioria, ficavam rente à calçada. Com uma larga porta de entrada e dois janelões de cada lado. Tinha de se contentar em conversar com as namoradas postando-se em pé do lado de fora daquelas enormes vidraças.

Tornou-se o boêmio da cidade. Por isto não era bem visto pelos homens de bem que eram os pais das moças casamenteiras. Homens de bem que tudo sabiam da vida dele, pois eram seus companheiros de festas nos bordéis.

Em certo domingo, logo ao sair da igreja, estava a caminhar, displicentemente, com alguns amigos pela grande rua arborizada que cortava o vilarejo, quando vê, ao longe, um grupo de índios montados em seus fogosos cavalos. Seguidamente estavam por ali a vender balaios e cestas de taquara, esteiras de palha e demais produtos artesanais.

Passavam, lentamente, quase a desfilar sobre as pedras da rua principal. Logo à frente a visão que transformaria a vida de Jorge. Parecia-lhe uma imagem vinda de outros mundos. Seu coração entrou em uma aceleração tão grande que mal conseguia esconder dos amigos.

Era uma jovem de beleza estonteante com suas tisnadas pernas nuas, altaneira a trotear com a dignidade de uma imperatriz, sobre o lombo de um corcel negro. Cabelos lisos e reluzentes desciam-lhe como um manto escuro pelas costas. Um arranjo de vibrantes flores vermelhas contornava sua cabeça. Não usava roupa igual à dos brancos como os demais membros da comitiva. Cobria seu corpo apenas com os adornos e as penas tradicionais como os das tribos de seus ancestrais.   

Jorge apressou o passo e tentava caminhar ao lado dela pela rua. Seus olhos penetrantes e desafiadores pareciam enfrentá-lo. Ela percebera o olhar magnético e provocante do jovem de cabelos cor de fogo que com a respiração ofegante andava rapidamente quase junto a ela.

Com o passo acelerado tentava cativá-la com seu sorriso. Os índios continuaram sua cavalgada. Tomaram a direção de sua taba localizada em local distante dentro da mata. Jorge correu em busca de sua montaria e em desabalada carreira foi atrás da comitiva indígena. Cavalgou por mais de uma hora até chegar às margens de um rio não muito largo. Andou pela sua margem e mais adiante percebeu fumaça em meio às árvores. Cauteloso, aproximou-se. A taba ficava a uma grande distância das barrancas. Ele viu quando todos apearam. Ficou estarrecido a olhar a graciosidade com que ela, de um salto, pulou do lombo do cavalo. E não se cansava de admirar o seu porte altaneiro a andar, descalça, sobre a relva, a balançar, suavemente os quadris. Curvas perfeitas, torneadas em bronze, ondulavam entre as árvores.

— Moço, vosmicê tem permissão pra ficar espionando o nosso povo?

Jorge levou o maior susto de sua vida. Não percebera a presença de alguém por perto e, repentinamente, aquela voz quase em seus ouvidos.

Sem saber como se explicar, começou a gaguejar tentando dizer que viera atrás do cacique pois precisava muito falar com ele.

Avati recebeu-o com reservas. Ficou à espera de que Jorge falasse alguma coisa.

— Senhor cacique, eu fiquei impressionado com os cavalos de vocês quando os vi a passar pela vila — improvisou rapidamente o que de mais lógico lhe parecera. — Como eu tenho uma criação de cavalos gostaria de saber se me venderiam alguns.

— Sei —grunhiu Avati —, e aquele que vosmicê mais gostou é o corcel negro que pertence à minha filha Potira Tainá, não é mesmo? Pois vosmicê não tirava os olhos de riba dela…

— Realmente, senhor cacique, aquele foi o que mais me impressionou. Mas já vi também que não se encontra à venda, já que pertence à sua filha.

Foram os dois olhar os cavalos soltos no campo. Jorge escolheu dois alazões de uma profunda tonalidade ouro-avermelhada.

— Eu não estou carregando dinheiro comigo, no momento. Mas poderemos acertar amanhã que é dia útil?

— Hã! Então vosmicê veio aqui comprar cavalos e não está com o dinheiro em mãos? Estou entendendo… Mas vamos fazer o seguinte. Vosmicê tem vacas de leite, não é mesmo? Podemos trocar duas pelos dois alazões. Os jovens aqui já podem lhe acompanhar até o seu sítio e trazer as vacas.

—Não, não. Não carece o senhor se preocupar. Amanhã eu mesmo trarei as vacas. É que hoje o meu capataz está de folga e a animália está bem longe nos currais da beira do córrego d’Areia, sabe.

— Entendi. Negócio fechado. Pode me chamar pelo meu nome mesmo. Sou Avari, sou de paz. —A sorrir com seus alvos dentes, deu-lhe a mão.

Eufórico Jorge voltou à vila. Precisava contar a façanha a seus amigos. Encontrou-os a bebericar uma cerveja de gosto horrível que o dono de uma bodega trouxera de Curitiba. Era o que tinham para beber, além da cachaça, do fortíssimo absinto e de uns fracos licores feitos de frutas da região por algumas prendadas mulheres.

Passaram a tarde a contar seus causos, a comer linguiça frita com farinha de mandioca e carne seca entre goles daquele líquido a que o bodegueiro dava o nome de cerveja.

Jorge passou a noite a sonhar com a bela Potira Tainá. Nunca vira uma mulher tão deslumbrante em sua vida. Imaginava-a em seus braços pelo resto de sua vida.

Mal viu o dia amanhecer foi ter com Nicolau em sua casa que ficava perto dos estábulos. Escolheram as melhores vacas leiteiras, colocaram-nas sobre uma carroça gradeada e dirigiram-se à taba do cacique Avati. Voltou para casa com os dois alazões. Frustrado por não conseguir vislumbrar, nem por um segundo sequer, a mulher dos seus sonhos.

Não era um homem de desistir facilmente. Percebera, pelo seu olhar, no dia em que a vira a desfilar em seu corcel negro pelas ruas da vila, que não passara despercebido por ela. Tinha certeza de que aqueles agudos e negros olhos revelavam alguma mensagem.

Diariamente visitava Avati e sua família. Fez amizade com todos os integrantes da tribo. Abaetê lhe contava das aventuras dos tempos passados. De quando os índios eram massacrados pelos brancos. Como Indaíra, mulher de Avati chegou nas terras do sul fugindo da sanha assassina de brancos que dizimaram sua tribo lá pelas terras de Piratininga.

O tempo e a paciência tornaram-se seus aliados. Nas tardes em que se sentavam à sombra das araucárias corria de mão em mão a cuia com o mate amargo servido frio pelos índios que queriam saber tudo das terras de onde Jorge viera. Num canto a narrar suas histórias e a ouvir as dos amigos percebia que Potira Tainá fulminava-o com seu olhar penetrante.

Em um lindo entardecer quando o sol se deitava atrás das serras do poente ele chegou perto dela. Quando tentou dirigir-lhe a palavra ela desatou a correr em desabalada carreira. Foi atrás. Jamais a alcançaria não fosse um abençoado galho de uma erveira que a atrapalhou e fê-la ir ao chão. Conseguiu chegar perto e enlaçou-a com suavidade. Levantou-a. Ela não tentou desvencilhar-se de seus braços. Encostou seus lábios, mansamente em suas orelhas e depois em seu rosto. Parecia que a respiração de ambos cessava por segundos. De imediato colou seus lábios nos lábios dela. Sentiu sua doçura e seu frescor. Estava deslumbrado como jamais imaginara em sua existência. Sentia que ela também o beijava com ternura. Quando tentou acariciar seus seios ouviu uma trovejante voz às suas costas.

— Está na hora de vosmicê tomá o rumo de seu sítio, seu Jorge. Já escurece de todo e nois num podemo deixá os nosso aqui pra le acompanhá.

Ao ouvir aquele tonitruante vozeirão a seu lado tirou de imediato os braços do corpo de Potira Tainá. Pediu mil perdões a ela e ao avô Abaetê que se postara a seu lado, retornou até a oca onde deixara seu cavalo e a galope voou para casa.

Mudara agora a rotina de suas tardes. Não mais o encontro com os amigos na vila. Suas visitas vespertinas eram para a taba de Avati. Sentava-se ao lado de Potira Tainá para sorver o mate frio. Acariciava suas mãos.

Passado algum tempo o Conselho dos Anciãos reunido delegou ao índio mais velho da tribo a incumbência de conversar com Jorge.

— Moço, se acaso a nossa linda donzela não puder ser sua mulher não venha mais nos visitar.

Jorge, meio sem saber como se explicar, afirmou ao velho índio que sofreria muito se acaso não permitissem mais sua entrada na taba. Não aguentava mais vir apenas vê-la todos os dias e nem sequer poder abraçá-la.

— Nós sabemos que o moço sempre vai na igreja dos padres franciscanos. — Continuou o ancião com o recado que precisava terminar. — Eles são nossos amigos também. Mas para nós a cerimônia que tem valor é a que realizamos aqui na taba de acordo com os ensinamentos de nossos ancestrais. Mas hoje em dia, com tantas mudanças, com nossa tribo reduzida a tão poucas pessoas não fazemos mais como antigamente. Terá que ser tudo assim bem mais simples. Vosmicê coloca uma coroa de flores na cabeça dela e ela outra na sua e nós, os poucos anciões que restamos, junto com Avati, Indaíra e Abaetê concordamos e abençoamos esta união que vocês dois jovens tanto anseiam. Depois, todos os homens, mulheres e crianças formam uma grande roda em torno. E ficam a cantar e a tocar seus instrumentos de couro e de madeira, as suas flautas de bambu e a dançar a dança tradicional que veio até nós pelos ensinamentos que os pais passaram a seus filhos desde os tempos mais antigos em que Tupã fez o mundo. E claro em meio a tudo isto o nosso banquete onde será servido o Cauim, a nossa bebida forte junto com nossas frutas, os sucos e as caças tradicionais servidas em dias de festa.

(continua)

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