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Era lá que o poeta chorava as dores de sua alma inundada de emoções

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Sim, lá eu estive. Lá eu não era eu. Lá era o longe, o intangível, lá era a terra dos que vivem em páramos distantes, acima das medíocres catástrofes de um mundo ainda envolto em trevas e macabras discussões.

Entrei em um mundo encantado. Tudo era maravilhoso. Um cenário de sonhos em lusco-fusco. E lá encontrei luzes. Coloridas luzes físicas que piscavam. Indescritíveis luzes que de jovens cérebros a iluminar mais que o sol que brilhava lá fora.

Manuel Bandeira, em pessoa, recebeu-me de braços abertos. Deu-me as boas-vindas. Poemas no ar. Paredes repletas da mais pura arte.

“Vivo nas estrelas porque é lá que trilha a minha arte”.

E era lá que o poeta chorava suas dores corpóreas. Era lá que o poeta chorava a dores de sua alma inundada de emoções.

E foi lá, naquele reino encantado que a torrente de lágrimas começou a tomar conta de minha alma. Jovens estudantes com suas almas em busca de sonhos mostraram-me os mais puros sonhos em uma doce manhã de primavera.

Declamaram os poemas de Manuel Bandeira. Divina a apresentação vocalizada e musical do famoso poema Os Sapos, o instigante poema quase símbolo da Semana de Arte Moderna de 1922, a semana que em seu centenário a Escola Básica Santa Cruz — o nosso famoso centro de ensino da sagrada colina —, relembrou com uma inesquecível Gincana Pedagógica.

Num repente encontrava-me no topo de outra nuvem. Como cheguei lá? Flanando, talvez. Não senti o chão sob os meus pés.

 E lá, solitário em um canto um diferente personagem a perscrutar com seu olhar penetrante o que fluía em seu redor. Com seu velho terno preto, a gravata bem posta, o indefectível chapéu e as faces de uma palidez inconfundível. Lá a um canto, sentado ao lado de suas obras eu vi Lasar Segall. No entorno um mundo de arte. Da sua arte. Da arte que ele pelo mundo espalhou. A diferente arte que ele no mundo introduziu. O seu modernismo. O modernismo de Lasar Segall.

Nas paredes e mesas releituras do muito que ele produziu em novas imagens revistas pelos estudantes.

Uma velha bicicleta ao lado. Para relembrar-nos de que num pequeno e simples veículo como aquele um jovem judeu sonhador percorria os campos de batalha em uma Europa dizimada pela Primeira Grande Guerra Mundial.

Segall não participou em pessoa da Semana de Arte Moderna de 1922. Mas já se notava a sua influência nas pinturas e esculturas que os artistas brasileiros naquela ocasião mostraram ao mundo.

Profundo impacto no âmago de quem lá esteve. Transportei-me ao tempo de Lasar Segall. Vi suas finas pernas e seus pés sobre os pedais do magro veículo a rodar pelas cidades destruídas e desoladas, pelos escurecidos troncos de pinheiros que sobraram após repetitivos bombardeios.

Ao fundo melodias levaram-me ao meu tempo de infância quando ouvia minhas irmãs Aline e Avany solando a Serenata de Schubert ao piano e ao violino.

As surpresas continuam a cada passo. Sem saber como, sem pressentir, vejo-me repentinamente alçada a um mundo de xilogravuras em branco e preto e até coloridas. Estava no mundo encantado de Oswaldo Goeldi que a sorrir veio me receber. Olhei para aquele jovem e tinha a certeza mais absoluta de ter sido transportada para outra época. Para os tempos em que Goeldi traçava silhuetas que pareciam dançar sobre telas e cartolinas.

Naquela sala não se encontravam as produções originais do famoso desenhista de outrora. Lá desfilavam inúmeras formas negras sobre fundo claro. Múltiplas obras a nos mostrar o talento e a dedicação de uma plêiade de estudantes ávidos pela arte.

Foi então que me apresentaram a Ismael Nery. Ao pintor surrealista que jovem morreu. Um espírito a vagar pela terra na busca de algo intangível.

Na sala repleta de releituras de suas obras estudantes apresentaram-me detalhes da tumultuada vida do artista. Os mais marcantes quadros deixados por ele mostram-nos figuras com corpos disformes, viscerais, mutilados…

Muito ele produzira em seus anos ditosos antes que seus pulmões fossem corroídos pelo bacilo da tuberculose. Era um tempo anterior à descoberta dos salvadores antibióticos.

Naquela sala do Santa Cruz eu o vi. Alto e gracioso, com as faldas de sua alva camisa solta sobre as calças. Sorrindo de face inteira a passar seus pincéis sobre uma paleta carregada de multicoloridas tintas. Mergulhá-los em aguarrás. Limpando-os em um já colorido pano.

Eu o vi contorcendo-se para imprimir nas telas as angústias que devastavam sua alma e corroíam suas carnes.

Pouco viveu. Como pouco viveram os que da arte mais pura fizeram o pequeno mundo em que se debatiam com as agruras que os consumiam.

“Meu Deus, para que me destes tantas almas num só corpo? Neste corpo neutro que não representa nada do que sou, neste corpo que não me permite ser anjo nem demônio, neste corpo que gasta todas as minhas forças para tentar viver este ser ridículo que sou.”

Além destas salas vislumbrei outras mais em que passeavam Guiomar Novais, Guilherme de Almeida, Portinari, entre tantos mais. E ao lado de Portinari encontro o nosso artista de múltiplas faces Pedro Penteado do Prado.

Vinte e cinco salas a apresentar a vida e a obra de vinte e cinco luzes das artes plásticas, da literatura e da música de nossa terra.

Após esta Gincana Pedagógica em que a Semana da Arte Moderna de 1922 foi apresentada e representada de forma lírica e majestosa estou convicta de que aqueles estudantes não serão mais os mesmos.

Levarão em seu bojo a ânsia de assim perpetuarem o que de mais belo existe no âmago de cada um deles.

E com eles a esperança de um mundo mais belo, mais cheio de cores, mais ameno, mais arte, mais pleno de cultura em um breve futuro. Pois serão eles os arautos a anunciar o belo que virá depois das tristes catástrofes do agora.

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