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março

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Eleições: sem contrato social pode ser “legal”, mas é ilegítimo

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Se não tem início, nem fim, qualquer caminho serve!

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Sandro Luiz Bazzanella*

Cintia Neves Godoi**

Chegamos ao fundo do poço. Talvez sim. Talvez não. Talvez o poço não tenha fundo e nos conduza a um abismo sem fim e, sem começo. Pouco importa! E quem, a esta altura do viver exausto, olhará para o abismo? Se não tem início, nem fim, qualquer caminho serve! Talvez nestas terras de Santa Cruz e da abençoada e violenta espada nem poço tenha existido.  O que existiu foi (e continua existindo) uma colônia de exploração de matérias-primas, de extração do trabalho dos índios, dos negros, dos mamelucos, dos caboclos, dos trabalhadores em geral. O que existiu (e continua existindo) foram donos de capitanias hereditárias, senhores de engenho, barões do café, bugreiros, negreiros, capitães do mato. Patrimonialismo, fisiologismo, nepotismo, corporativismo, vícios privados sobre os interesses públicos são marcas constitutivas presentes nas origens e, em nossa condição societária atual. Elites nacionais comprometidas com seus interesses privados, enojadas do “povo” brasileiro, de seu analfabetismo, de seus costumes, de suas crenças, de seus gostos musicais e culinários, de sua “forma de vida”. Deste povo esta elite patrimonialista somente desejava, e deseja a extração da riqueza advinda do trabalho socialmente produzido. Todo o resto é resto.

O problema com este Povo brasileiro sem poço e, portanto, sem fundo é que ele resiste e insiste criativamente afirmando que é possível construir um país, uma nação, um povo reconhecido e respeitado pelas suas contribuições possíveis em parceria e cooperação com  outros povos. Este Povo sempre se organizou e, continua a se organizar em associações de moradores, de produtores, de catadores, de sem tetos, de sem terra, de mães, de entregadores de comida, de mulheres vítimas de assédio sexual, profissional, de toda ordem e, de violência familiar. Até professores, entre outros trabalhadores se organizam e, incomodamente insistem que é possível distribuir terra, distribuir três refeições por dia, distribuir teto, trabalho, oportunidades de estudo e bons empregos. Se houver oportunidades todo o resto este povo conquistará, com o suor de seu trabalho secularmente derramado, e expropriado neste solo da colônia de Santa Cruz.

O desmonte, o achincalhamento, a depredação do Estado que o “povo brasileiro” está “assistindo”, apático, anestesiado pela doutrina do choque, não é uma ação inusitada, destemperada do governo de plantão, mas é a manifestação da racionalidade das elites coloniais brasileiras desde a tomada de posse destas terras aos dias de hoje. As riquezas naturais, bem como a riqueza socialmente produzida pelo trabalho do povo é concebida de forma inquestionável como patrimônio das elites nacionais, antes subservientes à metrópole, posteriormente à uma burguesia, e atualmente subservientes as elites rentistas globais.  Não havia desde os primeiros momentos da colônia o interesse da metrópole em permitir a redação de um contrato social, a partir do qual pudesse dar ensejo à um povo, a uma nação. Sim, Pero Vaz de Caminha escreve uma carta ao Rei de Portugal Dom Manoel decantando o “achamento” das novas terras e suas farturas humanas e naturais a disposição do colonizador. Para os povos nativos que aqui residiam esta carta apresenta-se como um réquiem, um canto fúnebre anunciando a violência que se manifestaria em breve e, por tempo indeterminado nestas terras entre a cruz e a espada.

Se não há um contrato social, não há espaço público a ser promovido, potencializado e preservado, não há bens públicos que possam ser compartilhados, tudo o que é público pode ser apropriado por interesses privados que controlam o Estado e seus tentáculos coercitivos. Assim, se não há disposição para constituição do espaço público, que expresse os interesses de um povo, de uma nação, que estabeleça os pressupostos morais e legais a partir dos quais os interesses individuais e públicos possam ser preservados em suas demandas e especificidades,  repita-se não há contrato social. Ou dito de outra forma, se não há reconhecimento de que formamos um povo, com diversidade cultural, com distintas tradições, hábitos e perspectivas de compartilhamento dos bens comuns não há possibilidade de reconhecer um contrato social, e de reconhecermos como imprescindível a existência destes contratos para nos apoiar em nossa organização da vida.  Neste cenário, o que pode haver e, efetivamente em nossos dias há é violência nas relações de trabalho, violência para sobrevivência, violência na expropriação da riqueza socialmente produzida, rapina, rachadinhas, propinas, negacionistas, terraplanistas, produtores de fake news, pastores e seus bezerros de ouro, capitães, coronéis e marechais, magistrados, garantidos pela extorsão, pelas instituições que para o saque e controle das vidas se colocam como ativas e dinâmicas e, que culminam nas e, pelas práticas de partilha privada dos bens públicos.

Desde os primeiros momentos da colônia de exploração estabelecidas nestas terras do Atlântico Sul, o desprezo, o nojo, a agressividade e a violência são marcas registradas de parcelas das elites frente a massa miscigenada e migrante do povo brasileiro em sua diversa multiplicidade. Todas as vezes que se apresentaram oportunidades de redação de um contrato social que colocasse frente a frente a elite nacional e o povo” (1822 independência; 1889 República; 1930 Queda da República Velha; 1950 Proposta desenvolvimentista com JK; 1963 Reforma de Base com Goulart; 1984 Diretas já; 1994 Nova República, entre outras datas expressivas), não haviam folhas de papel disponíveis para a redação do contrato, foram queimadas no dia anterior. Aliás, também as canetas haviam sido destruídas. Os tinteiros derramados, os lápis quebrados. Portanto, se não há as condições materiais para redação do contrato, não há contrato. “Manda quem pode obedece quem tem juízo”.

Assim, faz-se mister reconhecer que as elites subservientes brasileiras/globais são hábeis detentoras de práticas fascistas. O governo de plantão é a expressão das demandas fascistas destas elites na salvaguarda de seus interesses privados alimentados e remunerados pelo Estado no uso e abuso dos bens públicos. Talvez tenhamos eleições no segundo semestre de 2022. A comunidade internacional constrange as elites brasileiras nesta direção. As eleições até serão “legais”, mas perante as demandas do povo brasileiro pela constituição de um Povo, de uma nação continuarão sendo ilegítimas. O candidato que almejar ganhar as eleições terá que assumir o compromisso inabalável com as elites de esquecer qualquer aventura contratual com o “povo, povinho, explorado, expropriado brasileiro”, que insiste e resiste sonhando um país de fato e de direito.

Mas, é “Legal”, vamos ter eleições!

*Sandro Luiz Bazzanella é professor de Filosofia

**Cintia Neves Godoi é professora de Geografia

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