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Eleições no meu tempo de criança  

Imagem:Arquivo

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Felizes tempos em que Canoinhas contava com dois representantes

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Aos onze anos de idade descobri que era o povo quem escolhia seus governantes e representantes de outro ainda por mim desconhecido poder, o legislativo.

Até então vivíamos na ditatorial era Vargas.  Com um dirigente estadual denominado interventor que em nosso estado era Nereu Ramos.

Após a deposição de Getúlio partidos políticos instalados ainda no decorrer dos últimos suspiros de seu governo lançaram seus candidatos em todas as órbitas.

O Partido Social Democrático saiu vitorioso com a eleição de seu candidato General Eurico Gaspar Dutra. Seu opositor era o Brigadeiro Eduardo Gomes da União Democrática Nacional.

Em Canoinhas, dois jovens advogados eram candidatos a deputados estaduais. Ambos pertencentes a tradicionais famílias canoinhenses.

Orty de Magalhães Machado, filho do farmacêutico Álvaro, proprietário da Farmácia Machado, e Aroldo Carneiro de Carvalho, filho de Benedito Therezio de Carvalho Junior, cartorário de renome e que já militara em política nos tempos da chamada república velha.

Quando minha família morou na cidade de Canoinhas nossa casa era anexa a uma loja de tecidos e armarinhos, a Casa Barateira.

Minhas irmãs mais velhas Aline e Avany eram professoras no Grupo Escolar Almirante Barroso.

Os jovens daquela época reuniam-se no Clube Canoinhense para ensaiar peças teatrais, cantar e tocar piano e outros instrumentos musicais.

Não sei dizer como minha família decidiu que o seu candidato seria o Orty. Talvez pelo fato de seu pai, Álvaro, ter trabalhado ao lado de minha Nonna Thereza Gobbi na campanha para a construção do Hospital Santa Cruz ou por laços de amizade mais antiga.

A campanha política corria acirrada de parte a parte. Comícios, passeatas, distribuição de propaganda pelas ruas.

Os postes da cidade e adjacências — que eram de madeira —viviam cobertos com as propagandas de todos os candidatos. Que eram coladas com cola quente, provavelmente feitas à base de araruta.

Meu irmão mais novo, Amaury —que todos sempre conheceram pelo apelido de Maurinho —, e eu, ficávamos atentos àquela azáfama de pessoas que, portando baldes com um preparado grumoso colavam os mais diferentes papéis nos postes da praça Lauro Müller que ficavam exatamente à frente da nossa loja.

Ficávamos de olho na publicidade lá deixada pelos cabos eleitorais do candidato do outro lado. Ou seja, de Aroldo Carneiro de Carvalho.

Cartazes com cola ainda quente, mal aderidos aos postes eram sumariamente arrancados por nossas mãos e atirados nas calçadas com a inconsequência própria da idade da época em não se preocupar com a limpeza pública.

Era só o tempo de vermos os homens que haviam colado nos postes os para nós famigerados papeis do candidato que não era o nosso desaparecerem nas esquinas que lá corríamos a desempenhar as nossas funções.

A carraspana desceu em doses crescentes. Fizéramos o pior que alguém poderia imaginar. Até que enfim ela falou da vergonha que nós a deixamos passar.

O jovem advogado Aroldo, filho de amigos de meus pais, viera até a loja e dissera ao seu Oscar Pfau — que era o caixeiro e sócio de minha mãe — que o Dr. Aroldo Carneiro de Carvalho lá se encontrava e precisava urgentemente falar com ela.

Minha mãe recebeu o candidato na sala de visitas de nossa casa. E dele ouviu as reclamações acerca de suas crianças. E do que estavam aprontando.

Claro que minha mãe de nada sabia. Ela nunca nos vira arrancar folhetos de candidatos espalhados pelos postes da cidade.

Desculpou-se como pode e prometeu ao Aroldo que iria tomar as devidas providências. Não apanhamos porque não era do feitio dela surrar crianças. Mas o sermão foi muito pior. Não tinha fim. Descia em borbotões por infindáveis minutos. Acho que naquele dia nem almoçamos.

Chegou, enfim, a tão esperada data das eleições. Dias e dias de espera para que todas as cédulas fossem contadas e recontadas. Manualmente.

E em certa manhã minhas irmãs recebem um telegrama do Orty com os números de votos que obtivera e dizendo que estava eleito.

Felizmente Aroldo também conseguiu uma expressiva votação e logo os dois tomaram posse como deputados na Assembleia Legislativa de Santa Catarina.

Felizes tempos em que Canoinhas contava com dois representantes. Tremendo contraste com os dias de hoje em que o nosso Planalto Norte de Santa Catarina não conseguiu eleger um representante sequer para ocupar uma cadeira naquela casa de leis.

Depois de findar seu mandato Orty ocupou um cargo como representante de Santa Catarina no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Chegou a ser presidente do Banco Central. Como todos sabem é graças a ele que a câmara de vereadores do Rio de Janeiro deu o nome de Canoinhas a uma rua no centro da cidade maravilhosa.

Aroldo continuou na política. Foi deputado federal. Foi secretário de estado no governo catarinense. E outros cargos mais ocupou em sua vitoriosa carreira política.

Morava em Brasília. Frequentemente vinha a Canoinhas. Hospedava-se sempre na casa do médico Dr. Oswaldo Segundo de Oliveira, seu cunhado, marido de sua irmã Haydée.

Creio que já eram passados uns quarenta anos de nossa fatídica aventura de arrancar propagandas políticas dos postes da cidade.

Aroldo era candidato a senador. Novamente após outro longo período ditatorial.

Em certa manhã sofre uma queda do lado de fora da casa de seu anfitrião. Da queda resultou uma grave fratura helicoidal em sua perna direta.

Levado ao hospital foi atendido pelo ortopedista. Já na mesa de cirurgia olha para mim e com aquele vozeirão de orador que lhe era habitual fala para mim:

— Daíra — tanto ele como dr. Segundo e todos os de sua família chamavam-me Daíra— está em suas mãos a vida de um futuro senador da república.

Imagine-se a minha responsabilidade. Anestesiar uma tão importante figura pública como era o Dr. Aroldo Carneiro de Carvalho.

Ainda na mesa cirúrgica, enquanto eu preparava o material para proceder ao ato anestésico olha ele, novamente, para mim com um sorriso matreiro e diz:

 — Sabe do que que estou me lembrando, menina?

Claro que entendi, na hora, o que ele queira dizer.

— Você ainda arranca propagandas políticas dos postes das ruas?

— Não Dr. Aroldo, agora as técnicas são outras… como o senhor bem sabe….

Apenas o Dr. Segundo ao lado conhecia a história.

Os demais circunstantes que estavam na sala de cirurgia nada entenderam quando nós três, Aroldo, Dr. Segundo e eu caímos na gargalhada.

A cirurgia foi um sucesso graças à perícia do ortopedista que realizou uma verdadeira obra de arte na perna do futuro senador da República.

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