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Decepção no Rio de Janeiro; dias melhores no Sul

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Três dias depois desembarcavam em São Paulo de Piratininga

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Jorge mudava de posição na cadeira a cada instante. Agoniado a imaginar que havia perdido sua amada para sempre. Às vezes bebericava um curto gole de uma cerveja quase sem sua branca cobertura espumosa. Com os olhos fixos no papel à sua frente continuou a engolir também palavras após palavras.

“Meaghan passara a noite a fazer mirabolantes planos. Aos poucos colocaria seus pertences em uma cabana situada nos limites das terras do Conde de Sworth. Em alguma manhã, fazendo de conta que sairia para cavalgar, tomaria um rumo desconhecido. Solucionaria os dilemas que tanto machucavam sua consciência.

Mal viu o dia clarear deixou seus aposentos. Quase não tocou no desjejum já preparado na cozinha. Dirigiu-se ao jardim, precisava sentir o ar fresco da manhã e melhor raciocinar. Caminhando absorta em seus pensamentos deparou-se, subitamente, com Deaglán, trajando, uma vez mais, suas vestes campônias. Desatou a rir.

— Este sim é o meu amigo! Não aquele dândi de ontem à noite.

Ele riu também. Convidou-a para um passeio a cavalo. Chegaram a uma clareira no bosque. Apearam. A conversa foi longa. Meaghan tentava explicar-lhe os intermináveis porquês de sua súbita corrida à procura de consolo nos braços da tia.

— Meaghan… — falava olhando diretamente nos olhos dela e afagando suas mãos — Meaghan, eu sei, eu entendo. O Conde já me contou tudo sobre você. Mas ouça a minha curta história. Não pensou o porquê de eu nunca ter me casado? Adolescente ainda envolvi-me nos sonhos de uma Irlanda Livre. Lutei ao lado de meu pai, do Conde de Sworth e de outros heróis. Meu pai não sobreviveu aos ferimentos. Não sei como fui salvo. Uma das balas daqueles perversos guardas, naquela última batalha de que lhe falei, atravessou a virilha do lado esquerdo e a bolsa escrotal indo alojar-se na outra coxa. A hemorragia foi intensa. Fui submetido a uma cirurgia melindrosa. A recuperação foi lenta e difícil. Supurou por longo tempo. No correr dos meses cicatrizou. Minha mãe dizia que só sobrevivi porque era jovem. Eu tinha treze anos. Os médicos logo me disseram que eu jamais poderia ter filhos. E que dificilmente eu desempenharia as funções inerentes a um homem. Então minha amiga, de qualquer forma, não teremos mesmo filhos. Mas teremos a mais maravilhosa vida. Porque eu me apaixonei, desesperadamente, por você no instante em que a vi no castelo de Sworth. Soube depois pelo Padre Donald que você não aceitou minha proposta. Então aproximei-me como amigo. Senti que foi mútuo. Não quero separar-me de você. Sinto-me tão bem a seu lado. Tenho certeza que outro homem nasceu dentro de mim. Quando nos casarmos você dançaria o cancã só para mim? Juro que ao vê-la serei possuído de um inefável êxtase.

Meaghan estava emocionada demais. Não queria perder este amigo. Sentia-se ao lado de alguém muito especial. Extasiava-se quando ouvia suas narrativas. Achava que não era amor. Mas então que nome daria para esta afeição que a dominava e dela não se esquivava mais?

Passaram-se dias e os passeios pelos bosques e jardins, a pé ou a cavalo tornaram-se uma auspiciosa rotina.

Em certa manhã, após muito cavalgar, resolveram descansar à beira de um riacho cujas águas deslizavam cantando entre pedras que reluziam ao sol.

Deaglán novamente tomou as mãos dela entre a suas e repetiu a mesma pergunta de dias atrás.

Um murmurado sim saiu de sua boca em meio a uma torrente de lágrimas.

— Sim… Deaglán, aceito. Ficarei a seu lado para o resto de nossas vidas.

E foi ali, deitados na relva que trocaram o primeiro beijo. E foi ali, num imenso abraço, deitados na relva, que ele sentiu renascer algo dentro de si. Seu eu não havia morrido naquela última batalha pela Irlanda Livre.

O Conde de Sworth não tivera filhos. Deixaria suas propriedades para as gêmeas netas de sua irmã. Howard Junior já recebera a sua parte.

A cerimônia religiosa, celebrada pelo amigo padre Donald, foi realizada na capela do castelo em que ela nasceu.

Finalizou esta carta desejando felicidades a Jorge. Que Meaghan não o esquecera”.

Jorge acabou de ler a longa narrativa. Pouco tomara da cerveja que Paulo lhe servira. Guardou o calhamaço de papel dentro do envelope. Guardou-o no bolso interno de sua fatiota. Engoliu, de um gole só, o líquido dourado e já sem espuma. Pediu outro caneco. Depois outro. E mais outro. Nada precisou explicar ao amigo. Que entendeu.

Em silêncio deixaram o bar. Dirigiram-se a pé em busca de um bordel na já boêmia Lapa onde trabalhava a amante de Paulo. Foi a noite da orgia na vida de Jorge. Entre mulheres e bebidas passou quase um dia inteiro. Um trapo de homem Paulo acomodou no dia seguinte, quando o sol já se encontrava no meio do firmamento, na cama da pensão onde morava.

Foi vê-lo à noite. Delirava. O álcool ainda circulava em suas veias. Falou com a dona da pensão. Precisavam fazer algo. O rapaz iria morrer. Ministrou-lhe chá, às colheradas. Vomitava tudo. Foi depois de começar a pingar limonada com muito açúcar em sua boca que os vômitos se espaçaram. Com o passar das horas os delírios cessaram e Jorge, enfim, dormiu mais placidamente. Mas só na tarde do dia seguinte voltou ao normal. Voltou ao normal fisicamente. Emocionalmente o desespero tomava conta dele.

— Nunca encontrarei uma mulher como aquela, Paulo. Vou morrer. E ela lá nos braços de outro. Agora ela é da nobreza. Sobrinha de um Conde. Casada com um Duque.

Paulo lera a longa missiva que abalara os alicerces do amigo. Nada que dissesse faria Jorge sentir-se melhor. Apenas o tempo. Ah! O misterioso tempo que dissemina as dores da alma…

Jorge continuava com seu trabalho na serralheria. Enfeitava as portas dos mais finos estabelecimentos da rua do Ouvidor com a sua arte em ferro fundido.

O desencanto com o Rio de Janeiro já começara no ano anterior com a chegada dos meses de canícula intensa. Seu trabalho junto às fornalhas transformava-se em castigo. Era perseverante, no entanto. Cumpriria sua palavra. Trabalharia pelo menos por um ano inteiro. Para encetar a longa viagem para o sul precisaria juntar muitas moedas de mil réis a fim de não passar necessidade.

Suportou o calor abrasador e começou a pesquisar os meios de transporte que o levassem, primeiramente, até a província de São Paulo. Descobriu que havia comboios que partiam todas as semanas. Havia coches, iguais aos que viajara na Inglaterra.

Levou suas ideias ao amigo Paulo.

— O que achas de montar um jornal lá no sul? Serias o redator e o editor. É só comprar os equipamentos por aqui.

Paulo ficou a ruminar a ideia. Amava aquela mulher que trabalhava em um dos bordéis da Lapa. Ao mesmo tempo sabia que precisava colocar sua vida nos trilhos. Casar. Ter filhos, talvez. Algum tempo depois concordava com a ideia.

Os dois amigos juntaram seus pertences. A de Paulo não era muito grande, mas muito pesada. Uma caixa com todos os tipos de letras necessários à confecção de um jornal, a máquina impressora e as latas de tinta preta apropriada e outras pequenas pinças e demais acessórios indispensáveis.

Em certa manhã de primavera embarcaram rumo ao sul. Uma viagem cheia de peripécias. Fácil foi chegar até as faldas da Serra do Mar. As parelhas de animais — que puxavam o longo coche com dez pessoas e mais suas bagagens — começaram a resfolegar. Por ser uma região de floresta fechada a algaravia dos pássaros era intensa. O colorido de aves maiores impressionava os passageiros. Paulo explicou a Jorge que aquele trecho da Serra do Mar era chamado de Serra das Araras por ser densamente povoada por aquelas aves de colorido tão peculiar. Jorge soltava exclamações atrás de exclamações. Logo procurou um papel e seus lápis coloridos e começou a desenhá-las.

— Ah! Paulo! Preciso logo montar uma destas em ferro fundido. Espero encontrar a cor de tinta que revele toda a majestade que ostentam estes pássaros.

A subida não era tão íngreme. A estrada fora construída seguindo o milenar caminho trilhado pelos índios. Em poucas horas chegavam ao planalto. Paisagens deslumbrantes. Na distância o azul do mar que morria aos poucos. Não mais grandes elevações a subir ou a descer. A visão alcançava horizontes longínquos.

Três dias depois desembarcavam em São Paulo de Piratininga. Os dois jovens logo procuraram um albergue onde pudessem tomar um banho e repousar. No decorrer da viagem fizeram duas paradas para dormir. Mas era melhor continuarem acomodados no coche do que nos imundos, pulguentos e duros catres que lhes ofereciam. Estavam com o corpo em frangalhos. Após o refrescante banho e algumas horas de repouso foram perambular pelas ruas. Era hora de almoço e encontraram em uma praça quitandeiras que serviam refeições em tabuleiros. Deliciaram-se com um prato de carne seca com feijão e farinha.

Retornando à estação dos coches informaram-se onde encontrariam um que os levasse à capital da Província do Paraná. No dia seguinte embarcaram com destino a Curitiba. Viajavam por um trecho muito acidentado, entre serras. Aclives intensos que sucediam a íngremes declives. A rota seguida fazia um enorme contorno para oeste, primeiramente, em busca de terrenos menos irregulares. Um motivo a mais para que este trecho da viagem fosse muito mais demorado. Durante mais de uma semana sofreram com os solavancos do coche a rodar em meio a trechos lamacentos, a outros pedregosos, a intermináveis aclives. Enfim, numa tarde chuvosa chegaram a uma grande praça no centro da capital da Província do Paraná.

Continua

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