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De Curitiba à Vila Nova do Príncipe, a descoberta da erva-mate

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Munido de seus apetrechos e uma imensa vontade de vencer encetou a viagem em direção sudoeste

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A grande praça, no centro de Curitiba, já naquela época era o local de maior movimento. Lá se encontravam os coches e charretes de aluguel.

Paulo ficou empolgado com a mescla de vida provinciana e de cidade. Imaginou por lá ficar e montar o seu jornal. Insistiu com Jorge para que permanecesse também. Mas Jorge portava consigo os documentos que lhe dariam a posse de um terreno nas cercanias de uma vila não muito distante dali, a Vila Nova do Príncipe. Tinha elaborado os seus planos. Algo atávico pulsava dentro de seu eu. Cultivaria batatas. O sonho de seus antepassados. Sinead, sua mãe, contara-lhe as adversidades pelas quais passaram devido à praga que tomou conta de suas plantações ocasionando a grande crise na Irlanda. Mil planos em ebulição dentro de sua mente, incluindo a montagem de sua serralheria.

Entrou em contato com fornecedores de materiais para montar seus negócios. Adquiriu um bom cavalo e a necessária mula que levaria parte de seus pertences. Não a sobrecarregou. Colocou sobre seu lombo apenas a quantidade de carga que suportaria. O restante seguiria pelo comboio que, semanalmente, partia da capital para fazer entregas nas vilas adjacentes.

Munido de seus apetrechos e uma imensa vontade de vencer, em certa manhã, com a neblina ainda a cobrir os caminhos, encetou a viagem em direção sudoeste. Pelo peso da carga a mula desenvolveria no máximo uns oito quilômetros por hora. Jorge imaginou entrar na Vila Nova do Príncipe quando o sol estivesse quase a se pôr no horizonte.

Não tinha pressa. Foi levando os animais de acordo com a natureza deles. Fez várias paradas pelo caminho. Perto do meio-dia avistou, ao longe, um pequeno galpão. Ao aproximar-se viu que se tratava de uma bodega. O que ficava devendo em apresentação sobrava em sabor na comida servida. Fartou-se com um prato de feijão temperado no ponto e uma suculenta costelinha de porco. Havia também palha, milho e água para os animais.

Antes que o sol se pusesse de todo entrava na vila que escolhera como seu definitivo lar. Uma quietude tamanha deixou-o perturbado.

— Depois de viver em tantos lugares buliçosos será que conseguirei viver por aqui neste silencio?

Precisava encontrar uma hospedaria para passar seus primeiros dias. Ainda bem que dona Assunta — a proprietária da que encontrou bem no centro da longa rua que cortava a vila de um extremo ao outro—, era uma pessoa loquaz. Não se sentia, naquela solidão, totalmente perdido. Ali ele teria pouso e refeições. Bebidas fortes não eram permitidas no estabelecimento.

— O moço entende, não é mesmo? Os homens começam a beber e depois basta um olhar meio atravessado para o outro e a encrenca está feita. Falando nisto, o moço não porta nem uma pistola e nem um punhal consigo?

— Não, dona Assunta. Não carrego armas comigo. Por quê?

— Por estas bandas não há um cristão que não ande com uma arma de fogo e pelo menos uma faca afiada na cintura.

Jorge riu. Contou para ela que sua intenção era a de explorar as terras que tinha adquirido e logo que fosse possível montar uma serralheria.

— A senhora pode imaginar na frente da sua hospedaria uma artística placa de ferro a reluzir com a luz do sol durante o dia e à noite com a de um lindo lampião? Logo a senhora precisará aumentar o tamanho do salão de refeições e o número de quartos.

Dona Assunta sorriu. Mostrou a Jorge o quarto em que ficaria e o estábulo nos fundos onde poderia deixar, com segurança, os animais. Aconselhou-o, no entanto, a retirar toda a carga, bem como os arreamentos e guardá-los consigo.

Na manhã seguinte Jorge foi procurar as autoridades locais, apresentar seus documentos de posse de um terreno e colocar-se à disposição, considerando-se já um cidadão da Vila Nova do Príncipe.

A propriedade que adquirira ficava situada em uma estrada que levava para o sul, em direção a outra povoação que margeava um rio chamado Negro.

Sabia que sozinho jamais faria qualquer coisa. Dona Assunta apresentou-lhe então o senhor Nicolau que poderia lhe servir como capataz. Ele mesmo conseguiria mais empregados para as lides campeiras, se fosse necessário.

Jorge, acostumado com campos desnudos como vira em seus tempos da infância e adolescência na Irlanda, assustou-se com os maciços de árvores que encontrou. Árvores como nunca imaginara ver. Árvores altaneiras. Em vez de folhas, espículas como os pinheiros que conhecia. Galhos abertos como que pedindo graças aos céus. Outras menores, bem encorpadas, folhas de um verde bem escuro. Nicolau pegou uma em suas mãos esfregou-a na roupa para tirar o pó e começou a mastigá-la. Falou para Jorge fazer o mesmo. Jorge achou-a com um sabor amargo.

— Sabe seu moço estas folhas são moídas e sapecadas. Depois a gente coloca dentro de uma cuia e joga água fervente por cima. E com um canudo que tem uma peneira na ponta, a bomba, a gente chupa este líquido. É muito bom. Esquenta o corpo e a alma. A gente aqui chama isto de chimarrão ou de mate, porque esta árvore é a erva-mate.  E aquelas outras grandonas são os pinheiros. Quando for tempo o senhor vai ver, seu Jorge. Elas dão muito pinhão que todo mundo come cru, assado, sapecado e ou cozido. É um negócio muito bom.

Jorge logo percebeu que seu capataz era também muito falante. Pelo menos ia explicando tudo para ele. Foram andando a explorar o terreno. Parecia-lhe que tão cedo não haveria uma plantação. Demoraria um tempão só para derrubar as árvores, capinar, arar e só então cobrir aquele mundão de fileiras e mais fileiras das melhores espécies de batatas. Estava já a comentar com Nicolau o que pensava quando chegaram a uma clareira sem fim. Um descampado estendia-se à sua frente. Respirou aliviado.

— Amanhã mesmo, seu Nicolau, vamos começar a limpar este terreno, ará-lo e iniciar a plantação de batatas de que lhe falei.

— Tudo bem, seu Jorge. Mas o que o senhor acha de aproveitar a riqueza que o senhor tem aqui e montar logo um carijo?

— Carijo? O que é isto?

— Um aparelho em que se prepara a erva-mate para o chimarrão. Não me olhe com esta cara de espanto. Vende muito, sim. Daqui para o sul todo mundo toma este mate no que amanhece o dia e outras tantas vezes enquanto estão nas lides, tanto no campo como nas cidades.

— Podemos resolver as duas coisas. Nunca se deve colocar os ovos no mesmo ninho. Não é mesmo? Mas temos que conseguir tijolos, pedras e massa e construir um rancho para ficarmos por aqui.

— Seu Jorge o mais fácil, por ora, é conseguir madeira. Aqui tem muita madeira. Pedra já é mais difícil. Tijolo e telha de barro até que tem.

Conseguiram tábuas de imbuia e em poucos dias, com a ajuda de mais alguns jovens, ergueram um rancho de chão batido coberto de sapé. Era o início da vida campeira de um jovem irlandês sonhador.

Armaram o carijo e de imediato começaram a fazer uma erva sapecada que teve grande aceitação. Jorge comprou um arado que era puxado por sua mula e logo dava início à plantação de batatas. Aos poucos também montou, ali mesmo, no sítio distante da vila, a sua serralheria.

Sentado, solitário, certa tarde, ao apreciar o pôr do sol olhou para tudo o que conseguira no período de um ano. Valeu a pena o que vivera até então. Aproveitou bem o dinheiro economizado em sua curta vida.

Ali, sozinho sentiu que seu coração ainda pulsava por Meaghan.

—Ela se acostumaria a esta vida quase selvagem que levo aqui? A esta solidão? Eu sei o que se passava em sua alma. Sou bem mais jovem que ela. A vida que foi obrigada a levar a fim de sobreviver, às próprias custas, sem a esperança de algum dia encontrar alguém que a quisesse…

Quando percebeu que estas tristes recordações voltavam a fustigar seu coração, levantou-se de súbito, arreou seu cavalo e partiu em direção à Vila Nova do Príncipe. Precisava jogar para longe as mágoas que o aturdiam. Não foi difícil encontrar uma bodega cheia de mulheres que usavam vestes exuberantes, deixando quase todo o torso a descoberto. Com enormes cigarrilhas em uma das mãos e um copo de bebida na outra.

Voltou no dia seguinte para o seu tugúrio, com a cabeça a doer, um mal estar no corpo inteiro e a lamentar-se das loucuras de uma noite de luxúria. Ao mesmo tempo afirmava para si mesmo que pelo menos, por uma noite, desanuviara seus pensamentos.

Sua arte em ferro fundido logo ficou conhecida. A primeira que fez foi um presente para dona Assunta que começou a divulgar o seu trabalho. A hospedaria parecia ter outra vida com aquela artística placa a reluzir ao sol.

Logo adquiria terras adjacentes, pois resolveu criar gado também. Jamais imaginara chegar a tanto em sua vida. Bendizia o dia em que decidira embarcar para este país abençoado.

Construiu uma vivenda a seu gosto. Com tijolos e pedras. Como sempre sonhara. Um sobrado. Com colunas. E um avarandado. Bem longe da estrada. Na entrada da propriedade um artístico portão em ferro fundido. No alto, em letras desenhadas, “Barreiro Grande”, o nome daquele belo rincão.

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