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As fakes e o curso civilizatório

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A mentira é um vírus moral que sempre ameaçou a evolução humana

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Walter Marcos Knaesel Birkner*

 

 

 

Há semanas, recebi uma notícia acerca de Sérgio Moro. O remetente me perguntava se seria verdade o que se dizia sobre o ex-juiz. Por dedução, respondi que era fake. Me veio à lembrança aquela boataria feita contra Marina Silva nas eleições de 2014, quando decidi que não compactuaria com aquilo. O comprometimento ético daquilo continha a mesma depravação do que Collor de Melo fez com Lula em 1989. Por analogia à biologia, creio que a mentira potenciada pelas redes sociais produziu uma virose moral pandêmica. Por isso, é também um desafio controlá-la, a fim de que a Civilização siga seu curso evolutivo.

 

 

 

 

A notícia dizia que Moro vendeu inquéritos da Polícia Federal ao governador de São Paulo, João Doria. Atenção à narrativa: seria o motivo real da indignação do presidente da República com o ex-ministro. Daí a teima em trocar o chefe da PF, isto é, nada a ver com proteger o filho das investigações sobre a infame “rachadinha”. Moro teria recebido uma grana “preta” de Doria e João Amoedo. E, não me lembro por que, a notícia aproveitava pra lembrar que o ex-presidente Fernando Henrique é comunista. Compondo a equipe investigativa, estariam o chefe da Abin, um cara da CIA e um tal vereador Bolsonaro. Coisa de cinema!

 

 

 

O enredo é até bom e dá pra ler até o fim. Faz entender que Moro pediu demissão pra sair de “mocinho” antes que fosse defenestrado pelo indignado presidente. Faz lembrar também que o presidente avisou, naquela reunião de lordes ingleses de 22/04, que tinha suas próprias fontes. Pra que toda a estrutura investigativa da PF, pela qual a gente paga e que, afinal, sequer consegue provar que o autor daquela facada em Juiz de Fora não agiu só. Bom, mas também não consegue provar que a faca era fake, como juram uns e outros. Então, pra que Polícia investigativa, se não serve nem ao governo, nem à oposição? Por algum tempo, fakes resistem a fatos.

 

 

 

 

 

Lembro da aparição de uma menina, hoje senhora, filha de Lula, então candidato à presidência, na primeira eleição direta, que elegeu Collor de Melo, em 1989. Ela foi usada por sua mãe para denunciar o suposto abandono do pai. Muitos anos depois, indagado sobre a trama, pela “ultracomunista” Revista Veja, que até pouco era “ultraneoliberal”, Collor afirmou que não faria aquilo de novo. Em 2014, a campanha da ex-presidente Dilma à reeleição foi dirigida por um publicitário inescrupuloso que fez o mesmo tipo de imoralidade contra quem ameaçou a candidatura daquela senhora. Ex-ministra de Lula e candidata à presidência, Maria Silva foi a maior vítima.

 

 

 

 

Lembrei da minha educação comunitária e me perguntei se poderia compactuar com isso e com aquela propaganda eleitoral que avisava: se Dilma não ganhar, comida na mesa vai faltar. Depois me perguntei, seguidas vezes, até 2018, como era possível que pessoas honestas compactuassem com a novela de narrativas que isso se tornou. Foi desde a defesa da inepta ex-presidente, passando pela denúncia de “golpe” do impeachment, pelo “fora Temer”, pela “inocência” de Lula, até o pacto eleitoral pra defender o País do “fascismo, da homofobia, do racismo e da misoginia”. Ao largo de toda a ausência de autocrítica, entre a cruz e a espada, só podia dar no que deu. E dá-lhe chá de boldo.

 

 

 

Hoje me pergunto se é possível que pessoas honestas podem compactuar com as atuais mentiras disparadas pelas redes sociais. A minha resposta à pergunta inicial sobre se o ex-ministro Moro vendeu inquéritos é: acredita quem quiser. O que quero dizer é que não é preciso ser inteligente pra decidir se isso é verdade ou não. Só é preciso ser honesto ou cínico. Admitamos:  mentimos e somos desonestos aqui e ali.  Mas ser conivente com mentiras que destroem reputações, cujos fakers fingem fazê-lo contra a “ameaça comunista”?! Pelo amor de Deus! Que se invoque o apóstolo João.

 

 

 

 

Parte dessa mentirada parece financiada pelo bolso do contribuinte e isso pode vir à tona, com a graça de Deus e dos “vagabundos” do STF. Outra parte é financiada por quem quer que seja, que faça o que quiser com seu dinheiro, mas pra quê? Para impedir que os “comunistas” voltem ao poder? Por idolatria ao mito? Vou dizer uma coisa: conheço algumas pessoas, de quem me orgulho e que num piscar de olhos disseram “pera aí, isso tá errado”. Essas pessoas não ganham nem perdem por serem honestas. Não idolatram, nem devem a ninguém. Também não tem ódio do oponente e, como ensina o livro sagrado, distinguem um profeta de um canastrão, seja de que lado venha.

 

 

 

 

Até mesmo os rábulas da democracia e as telenovelas da “Globo lixo” são mais confiáveis do que os que prometem combater a corrupção apoiando fábricas de mentiras e narrativas como máquinas de guerra que, na política, só veem amigos e inimigos. Lembro de um filósofo alemão com o qual tenho a satisfação de discordar. Karl Schmitt dizia que, na política, só há amigos e inimigos. É isso que insinuam as narrativas e farsas inspiradas nessa dicotomia de que na política só há mocinhos e bandidos e é preciso escolher o lado. Lembra-me outro alemão que disse uma vez, e pra sempre, que a história se repete, como farsa e tragédia. Ouso dizer: como esquerda e direita.

 

 

 

 

Prefiro o naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), falsamente interpretado à esquerda e à direita (mas não dá pra explicar aqui), a história se repete, mas a verdade sobrevive. Sem negar a competição e a dura luta pela vida, o biólogo da teoria da evolução afirmava que a cooperação e a retidão moral são fatores de evolução. Outro inglês mal lido, Herbert Spencer advogava pela competição, mas reconhecia na cooperação grupal e na busca moral as melhores estratégias evolutivas. A mentira é um vírus moral que sempre ameaçou a evolução humana. Por sua vez, os anticorpos sempre foram a cooperação de corajosos e honestos na busca pela verdade e a evolução foi a consequência.

 

 

 

 

O vírus da mentira também evoluiu e se espalhou como pandemia pelas redes sociais. Mas, cedo ou tarde, compreendemos que o que impede a morte da civilização é o cruzamento da ciência com a moral. Nesses momentos, a cooperação e a coragem dos justos nem sequer eliminam a mentira, mas a combatem eficazmente. Da maioria silenciosa do corpo social virão as proteínas morais. Como um vírus, a mentira é a arma dos fracos de moral. Mas, como na biologia, a humanidade cria os anticorpos que garantem o curso civilizatório. É quando a ciência aperfeiçoa as instituições, justificada nos melhores preceitos da moral cristã, tais qual o provérbio de João 8:32: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” .

 

 

*Walter Marcos Knaesel Birkner é sociólogo

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