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março

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2024

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A surpreendente carta do Conde

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Ela não estava curada. As lembranças de seu passado atormentavam-na

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A carta era longa. Jorge tentava continuar a leitura com calma. Mas as primeiras palavras que lera não saíam de sua cabeça. Paulo percebendo seu nervosismo pediu mais uma cerveja.

— Vamos brindar às boas notícias, Jorge. Não me faça tomar esta cerveja sozinho.

Sorriu, agradeceu e continuou a ler o longo relato enquanto sorvia o dourado líquido.

“William Johnson, o enviado do Conde de Sworth, entrara em contato com a companhia de navegação e descobriu outros mistérios. Os proprietários afirmaram-lhe desconhecer o uso que um tal de Humphrey Gable — mancomunado com o comandante e alguns membros da tripulação —, fazia de um de seus navios. Imaginavam que apenas espetáculos teatrais e de danças eram apresentados aos magnatas da primeira classe. Jamais poderiam pensar que seu navio era um bordel flutuante a singrar pelos mares do mundo. William fingiu acreditar no que ouviu. Ficou a cismar como eles nunca perceberam ser exatamente aquele o tal barco das ilusões, o barco com interminável fila de homens que queriam viajar na primeira classe? Esperava-se até um ano para dar um passeiozinho de ida e volta até algum porto do oriente ou do Atlântico Sul…

Permaneceu em Southampton até receber novas ordens do Conde de Sworth. Um dia elas chegaram com uma ordem de pagamento para que ele retirasse na agência local do Banco da Inglaterra a importância de vinte mil libras esterlinas e as entregasse aos salafrários a fim de libertarem todas as garotas que, como escravas sexuais, viajavam pelo mundo em cabines de terceira classe.

Entre gritos de felicidade e cânticos de alegria foram ao encontro de William Johnson, crendo que era ele o seu salvador. Meaghan apenas sorria de longe. Ela sabia de onde viera o pagamento de sua alforria.

William não a levou diretamente para Dublin. Em um coche de aluguel foram primeiramente até Londres. No dia seguinte, para surpresa dela, tomaram o rumo de Stratford Upon Avon e ela pode rever o encantado palacete. Sabia que seu algoz lá não se encontrava mais.

Nunca imaginara ter uma tão auspiciosa recepção. Além de Howard Júnior que correu a abraçá-la e a lhe pedir perdão, lá estava o velho Conde, tio de seu pai, em cadeira de rodas, sua tia Abiageal já encurvada pelos anos e uma surpresa ainda maior. Como se estivesse defronte a um espelho viu sua maninha de quem fora separada ao nascer, por força das circunstâncias. Ela se casara e estava ao lado de seu marido, Edmond, filho do serralheiro Aindreas. O abraço entre lágrimas e afagos foi intenso. Era uma saudade secular. No decorrer do jantar a confraternização foi geral.

Depois de resolvidos todos os trâmites legais os irlandeses retornaram a Dublin. Meaghan não se sentia bem em meio de uma família depois de peregrinar durante tantos anos por lugares tão espinhosos em sua ainda curta vida.

Algum tempo depois o pároco foi conversar com ela. Tentou convencê-la a frequentar a Igreja, a cantar no coro, pois soube que ela tinha uma linda e afinada voz. Nada era capaz de amainar a tristeza que dela tomava conta. Sabia que seu passado era incompatível com a vida no Castelo do Conde de Sworth. Uma única coisa ela falou:

— Tarde demais encontrei o amor de minha vida. Não consegui ficar com ele. E se ficasse nossa vida logo se desvaneceria. Nenhum homem ficaria por muito tempo com uma mulher que tenha o meu passado.

— E aí que você se engana, minha filha. Eu conheço alguém que a ama desde o dia em que aqui chegou. Sabe tudo o que aconteceu em sua vida. Claro, não é um jovem, mas é alguém com quem você poderá compartilhar a sua vida daqui para frente.

Meaghan não aceitou a proposta. Seu pretendente era um nobre que lutara ao lado do Conde e de Liam, pai de George, quando era ainda um adolescente. Continuava a batalhar, assim como os demais companheiros, por uma Irlanda Livre.

Ela não estava curada. As lembranças de seu passado atormentavam-na. O Conde de Sworth sabia quase tudo sobre a sua vida. Só não sabia de sua paixão por George.

Ela vagava pelos bosques em busca de respostas que não encontrava. Não sabia para onde ir. No castelo do Conde era uma estranha. Não vivera ali, não convivera com sua irmã. Não havia afinidade. Desde que soube que tinha uma irmãzinha igual a ela ansiava pelo dia em que a conhecesse. Mas o elo ainda não se fizera.

Casar-se com um homem bem mais velho que ela? Conhecera inúmeros, na maior intimidade até, por força de seu trabalho. Olhando para este passado sombrio não fazia ideia como suportou aquelas passagens negras que tanto lhe fustigavam o espírito. Talvez a companhia de suas colegas. Não conseguiam fugir. Não haveria outra vida para elas. Conformavam-se e viviam um dia de cada vez. Mas depois de George, depois de saborear as noites de ternura que passara com ele, nada mais tinha cor.

Estava a colher moranguinhos na horta do castelo quando um desconhecido dela se aproximou. Dirigiu-lhe gentis palavras. Queria saber se trabalhava no castelo. Conversaram por longo tempo. O desconhecido era alguém de uma cultura extraordinária e que muito já tinha vivido. Sentaram-se no tronco de uma árvore. Quando perceberam, quase anoitecia e ele a acompanhou até quase a entrada dos fundos do castelo.

Por muitos dias aquele homem vinha ter com ela nos momentos em que vagava pelos bosques. Contava de aventuras nas terras longínquas. Já tinha estado na América, mas sua missão era lutar pela Irlanda, seu país.

Parecia que aquela amizade fazia voltar a cor à sua vida. Abiageal percebeu que ela estava mais corada, alimentava-se melhor e até sorria quando se encontravam. Todas as tardes quando retornava de suas andanças pelos arredores voltava com uma aura diferente.

Certa tarde o desconhecido, que dizia chamar-se Deaglán, acompanhou-a até a porta dos fundos do castelo e na hora em que se despedia e beijava sua mão, aparece, inesperadamente, Abiageal. Meaghan apresentou o amigo que com uma reverência cumprimentou sua tia.

Deaglám era um cavalheiro encantador. Não era jovem. Mas jovem parecia ser a Meaghan, tal a sua jovialidade. Sempre disposto a acompanhá-la em seus passeios a cavalo. Apesar de grisalhos seus cabelos e sua barba não demonstrava a idade que tinha. Conhecedor profundo da história, da arte e das lendas irlandesas a cada dia ela aprendia mais sobre a terra em que nascera.

O vínculo entre eles aumentava dia a dia. Uma amizade que Meaghan temia perder. Sua vida até ali tinha sido sempre acompanhada de infortúnios. Imaginava que aquele amigo em pouco tempo não apareceria mais.

Certa tarde falou para Abiageal que já se considerava saudável o suficiente e precisaria retribuir a hospitalidade do Conde. Estava pronta para trabalhar nos serviços caseiros. Que a tia lhe mostrasse o que deveria fazer.

— Bom, filha, se você quiser aprender como se dirige uma cozinha e como deve se preparar para receber os convidados estou pronta para lhe ensinar. Afinal você e sua irmã são filhas do sobrinho do Conde. São netas da falecida irmã dele. Ele quer para vocês o melhor do melhor.

— Não tia, eu nada sou. Já lhe contei o que foi a minha vida. Preciso agora mostrar que posso, sim, colocar meus braços para ajudar no que for necessário.

— E seu amigo, o senhor Deaglán? Não tem mais aparecido? Acho aqui comigo que não são apenas amigos…

— Não minha tia. Somos amigos, sim. A tia sabe a minha história. Já falei mais de uma vez. Jamais poderei sonhar em viver com alguém. Ao saberem de meu passado jogar-me-ão no abismo. Desde que eu tive noção do que acontecera comigo jamais me iludi em ter um lar.

— Bom, filha, está na hora de nos prepararmos para o jantar que logo será servido. Hoje teremos convidados especiais. Entre eles o seu amigo Padre Donald e mais uns três casais e outras pessoas que sempre fizeram parte das lutas e das andanças do Conde. Sua irmã também virá com o marido. Vá se arrumar. Vou pedir para a governanta, senhora Kira, que veja o mais lindo vestido para você e a ajude a arrumar seus cabelos. Quero vê-la como a Condessa que deveria ser.

Meaghan não conseguiu esconder sua surpresa ao entrar no salão de festas e ser recebida por Deaglán em pessoa emoldurado por um elegante traje digno de um príncipe. Ofereceu-lhe o braço e acompanhou-a até a grande mesa de jantar.

O Conde fingiu desconhecer a amizade que já os envolvia e ensejou a cena de uma apresentação. Riram os três. Meaghan estava emocionada e ao mesmo tempo não sabia o que dizer. Foi então que Padre Donald chegou perto dela.

— Apresento-lhe o cavalheiro apaixonado que irá desposá-la em breve, o Duque de Laburnum.

Foi então que Meaghan saiu a correr pelos corredores. Quando deu por si estava a chorar, convulsivamente, nos braços de sua tia.

— E agora, tia? Perdi o meu amigo. Em todas as conversas que tivemos eu nunca lhe falei de meu passado. Ele confiou em mim. Sinto-me como uma traidora.

— Minha filha, aguarde. Recomponha-se. Para tudo há uma explicação. Calma.

Quando Meaghan levantou a cabeça vê Deaglán a seu lado. Com o maior sorriso do mundo toma sua mão e a leva até o salão de jantar. Enquanto atravessavam o longo corredor ele a consolava. Enxugou, com muito carinho, as teimosas lágrimas que não cessavam de escorrer de seus olhos.

Findo o jantar, solenemente, pediu ao Conde a sua mão. Tinha pressa em realizar as bodas. Meaghan não se decidia. Pediu uma semana para pensar. Imaginava sumir nesse ínterim.

(Continua)

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