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A quem cabe a gestão econômica e ambiental dos “recursos comuns”?

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Um exemplo clássico de bem comum são os estoques de peixes em águas internacionais

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Jorge Amaro Bastos Alves*

Recursos comuns referem-se àqueles que beneficiam todos os membros de uma sociedade e, geralmente, envolvem um regime de acesso aberto. Eles estão disponíveis de forma indiscriminada para qualquer pessoa. Um exemplo clássico de bem comum são os estoques de peixes em águas internacionais. Ninguém está excluído da pesca, mas à medida que as pessoas retiram os peixes sem que sejam impostos limites, os estoques para os pescadores posteriores se esgotam. Outros exemplos de elementos que compõem um bem comum incluem rios, mares, vida selvagem e outros recursos naturais. 

O grande desafio que se arrasta por décadas é: como gerenciar um recurso que não pertence a ninguém? De fato, esse problema é antigo. No século 4 a.C., o filósofo grego Aristóteles já alertava para o uso dos recursos comuns dizendo: “O que é comum a muitos é menos cuidado, pois todos os homens têm mais consideração pelo que é seu, do que pelo que possuem em comum com os outros”.

Gregory Mankiw, um economista e professor na Universidade de Harvard diz que bens grátis são um desafio especial para a análise econômica, posto que a maioria dos bens são regulados nos mercados pelo mecanismo de preços, que direciona decisões de compradores e vendedores.

Já os bens disponibilizados livres de custos, não estão sujeitos às leis dos mercados privados, e são elas que possibilitam a produção e consumo do bem em quantidade apropriada. Nestes casos, o governo pode intervir por meio de políticas econômicas, regulamentação ou impostos para resolver essa falha de mercado, como consumo excessivo e poluição por exemplo, e assim, aumentar o bem-estar econômico. Alternativamente, o governo pode transformar o recurso comum, num bem privado. Logo, a provisão do bem comum exigirá um certo sacrifício por parte de muitos membros da sociedade, na forma de tributos ou custos mais altos de produção industrial.

A questão dos bens de uso comum ficou mais conhecida quando o biólogo e ecologista Garrett Hardin apresentou em 1968 uma parábola econômica intitulada “A Tragédia dos Comuns”. Ele utilizou uma metáfora de um grupo de criadores de gado que usufrui de um pasto público para os animais se alimentarem. Consequentemente, é de se esperar que os donos desses animais têm interesse comum pela preservação dessa terra.

No entanto, do ponto de vista econômico, é razoável que cada proprietário coloque animais extras, o que lhes proporcionaria um lucro adicional, levando-se em consideração, que a pastagem comum diminuiria apenas um pouco. A tragédia acontece quando todos ao agirem da mesma forma, apesar de saberem do desastre iminente, ocasionam uma superpopulação de animais, que acaba por consumir todo o pasto público.

Assim, a fábula da tragédia dos comuns supõe que, indivíduos agindo de forma independente e racional, de acordo com interesses próprios, comportam-se de forma incompatível com os melhores interesses de todo o grupo, esgotando recursos comuns.

Em 1974, uma ilustração gráfica da “tragédia dos comuns” foi vista em fotos de satélite no norte da África, que revelaram uma mancha escura irregular de 390 milhas quadradas. A investigação do solo mostrou uma área cercada, na qual havia muita grama, contrastando com a parte externa onde a cobertura do solo havia sido devastada.

A explicação era simples. A área cercada era propriedade privada, subdividida em cinco porções. A cada ano, os proprietários transferiam seus animais para uma nova seção. Períodos de descanso de quatro anos davam às pastagens, tempo para se recuperarem. Os proprietários faziam isso porque tinham um incentivo para cuidar de suas terras. Em compensação, a terra fora do rancho era propriedade de ninguém, e estava aberta a nômades e seus rebanhos.

Com efeito, na ausência de uma gestão eficiente, um bem comum como uma floresta, água pura, bacias de petróleo, peixes, baleias e outros, continuará a ser usado de forma excessiva até que não haja mais nenhum benefício, e, em vez disso, tornar-se-á um prejuízo a toda a sociedade.

Quanto ao governo, cabe também lembrar que muitas vezes, sob controle de burocratas distantes que compõem a esfera governamental dos países, esses bens comuns acabam em pior situação, dado que, não raramente, os funcionários públicos não tem a experiência, interesse, conhecimentos específicos ou incentivos para realizar a gestão de maneira adequada.

Aí entra em cena a economista Elinor Ostrom, primeira mulher a ganhar o Prêmio Nobel de Economia em 2009. Ela elaborou a Teoria do Bem Comum, a partir de questionamentos sobre a obra de Hardin, analisando a governança econômica sobre os recursos de uso comum. Ostrom observou que, em muitas ocasiões, a tragédia dos comuns foi evitada graças a instituições e costumes locais engenhosos, sem exigir regulação de cima para baixo, pelo menos se certas condições forem atendidas.

Ostrom advertiu que, ações coletivas contra a destruição ambiental não devem ficar a cargo apenas de unidades governamentais em nível global que ambicionam resolver esses problemas. Os temas ambientais locais são por vezes complexos, envolvem uma diversidade de atores e exigem entendimento das idiossincrasias do mercado local. Desse modo, a proposta de Ostrom é de uma abordagem policêntrica, cujas decisões de gerenciamento devem ocorrer mais próximas o possível do cenário em questão e capitaneadas por representantes das comunidades locais.

Diante disso, percebe-se que a solução para o assunto dos bens comuns é de fato intrincada. Mas um primeiro passo é descentralizar o problema, e deixar que as comunidades locais assumam e formalizem a responsabilidade de sustentar seus próprios recursos, apontando direitos, limites de extração, obrigações, monetização e incentivos para a gestão do recurso compartilhado entre seus usuários. A partir daí, os ajustes necessários seriam feitos de acordo com o andamento da dinâmica da gestão, que resultaria na proteção dos bens comuns para o futuro.

* Jorge Amaro Bastos Alves é economista, mestre em Desenvolvimento Regional e doutor em Ciência e Tecnologia Ambiental. [email protected] 

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