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A PEC do desespero

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A “nova política” prometida por Bolsonaro ficou só no papel

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Quem quer que tenha acompanhado minimamente o processo eleitoral de 2018, sabe que o hoje presidente da República, Jair Bolsonaro, se elegeu sob o emblema da novidade, prometendo um governo diferenciado, que em nada coadunaria com as práticas de governos anteriores, os quais ele designava como sendo a velha política. Dentre as críticas ferozes que fez as chamadas práticas desta última, uma delas dizia respeito aos programas sociais de transferência de renda, como o Bolsa Família, os quais, no seu entender, eram usados por governos de esquerda com o objetivo eleitoreiro de comprar o voto dos mais pobres, e assim, se perpetuar no poder. A título de exemplo, trago duas falas do presidente sobre tais programas – a primeira delas data de 2011, em um discurso na Câmara dos Deputados, quando Bolsonaro ainda era um político do chamado baixo clero. Na ocasião, afirmava ele sobre o Bolsa Família:

É um projeto para tirar dinheiro de quem produz e dá-lo a quem se acomoda, para que use seu título de eleitor e mantenha quem está no poder. E nós devemos colocar, se não um ponto final, uma transição a projetos como o Bolsa Família.”

Por sua vez, em 2017, quando já era apontado como candidato a presidência da República, declarou, em um evento na cidade de Barretos, que não iria “agradar quem quer que seja para buscar voto”, fazendo referência a uma possível ampliação do programa, o qual classificou como demagogia.

Para ser candidato a presidente tem de falar que vai ampliar o Bolsa Família, então vote em outro candidato. Não vou partir para a demagogia.”

Contudo, a partir de sua chegada à presidência em 2019, a “nova política” prometida por Bolsonaro ficou só no papel e as críticas aos programas “eleitoreiros” foram prontamente esquecidas. Isso vem se mostrando especialmente flagrante nas últimas semanas, quando, numa tentativa de reavivar o sucesso que teve no intercurso da pandemia com o auxílio emergencial (e de passar por cima da legislação eleitoral que veda tais tipos de benefícios antes das eleições), o presidente abraçou-se de corpo e alma com o antes também muito criticado centrão, a fim de criar uma nova Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece um Estado de Emergência a fim de liberar uma série de benefícios sociais.

Tal PEC, a qual, se quisermos dar o devido nome aos bois poderíamos definir como uma compra de votos legalizada, prevê o investimento de R$ 41,25 bilhões em uma série de benesses como o aumento do Auxílio Brasil (de R$ 400 para R$ 600), o aumento do vale gás (de R$ 60 para R$ 120), um voucher de R$ 1 mil para caminhoneiros cadastrados no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Carga (RNTRC), um auxílio para taxistas e um auxílio para estados que outorgarem créditos tributários do ICMS para produtores e distribuidores de etanol hidratado.

Este conjunto de benesses, que pode parecer lindo na teoria, na prática pode se mostrar um verdadeiro desastre. Dado que foi concebida e feita na pressa, sem o menor planejamento, esta Proposta de Emenda à Constituição tende a piorar ainda mais os problemas econômicos que se propõe resolver, como a inflação. Explico: tais benefícios serão custeados com crédito extraordinário, que nada mais é do que um drible no chamado teto de gastos (medida que objetiva controlar o crescimento das despesas públicas do país). Esse “drible” evidencia que o país não tem responsabilidade sobre suas contas, o que faz com que o investidor estrangeiro não se sinta seguro para investir seus dólares aqui, levando-os para outros mercados. A saída desses dólares/investimentos desvaloriza a moeda nacional (o real), tornando mais caro o preço do petróleo, o que, por consequência, pressiona ainda mais a inflação.

Ademais, importa mencionar outro prejuízo que tal PEC carrega consigo, ou, para ser mais específico, o precedente terrível que ela abriu no que diz respeito à Constituição Brasileira. Como se sabe, esta (a Constituição) é aberta a novas emendas, instrumento que representa algo deveras positivo, tendo em vista que permite que a carta magna do país vá se adaptando ao tempo e as mudanças que ele traz consigo. Por ser um dispositivo que permite alterações naquele que é o principal documento de uma nação, qualquer mínima modificação que se faça nela requer máximo cuidado, tempo de análise, discussão com a sociedade civil e suas instituições, tudo aquilo que não ocorreu com essa PEC, que foi aprovada na velocidade com a qual se produz um macarrão instantâneo. Essa aprovação em tempo recorde constitui um instrumento perigoso, a partir do momento que dá a entender que a Constituição pode ser alterada ao bel prazer dos políticos e seus interesses. Hoje é uma sequência de benesses que se acrescenta, amanhã pode ser uma sequência de direitos que se retira, e depois, um conjunto de medidas autoritárias que se institui.

Para finalizar, gostaria de esclarecer que não se está aqui nesse texto a condenar medidas que visem auxiliar as classes menos favorecidas, pelo contrário, defende-se que estas existam, sobretudo numa situação econômica desastrosa como a que impera no Brasil de hoje. No entanto, para que surtam efeito, requer-se um componente fundamental que nem sequer deu as caras na elaboração dessa PEC: planejamento. Sem esse planejamento, que é indispensável, é muito possível que esses benefícios se convertam em um grande cavalo de Troia, onde, em última análise, quem pagará um preço duríssimo por ele é a população. Evidentemente, não é o planejamento, tampouco o auxílio aos mais pobres que interessam ao governo de Jair Bolsonaro, mas sim, unicamente, o capital político que tais medidas possam a lhe outorgar na sua frustrada tentativa de reeleição. Em verdade, tal PEC é a mostra de fraqueza e desespero de um presidente que, sem ter nada de relevante para mostrar dos anos que ficou à frente do poder, precisou apelar a uma compra de votos com verniz de legalidade. Síntese máxima daquilo que foi e é seu governo: incompetência, hipocrisia e populismo.

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