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A indústria cultural e as mercadorias anestésicas de cada dia

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Produtos culturais são criados e distribuídos com o objetivo principal de gerar lucro

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Foi publicada nesta segunda-feira, 24, no Diário Oficial da União, a sanção da lei 14.900, que reconhece as quadrilhas de festas juninas como expressões autênticas da cultura nacional, ao lado de manifestações culturais como o forró. Na Comissão de Educação do Senado, no entanto, a senadora responsável pelo parecer argumentou que as quadrilhas “incentivam o turismo cultural, criam empregos e promovem a economia local”. Note-se, o foco é econômico. O argumento é econômico. E, inclusive, a questão que mais parece ter peso nos comentários da mídia sobre o projeto e na fala dos envolvidos não tem a ver com a cultura propriamente dita, menos ainda com a perspectiva artística ou estética. E sim com o retorno econômico. É a transformação da cultura em mercadoria.

Adorno e Horkheimer, em obra de 1944, identificaram mecanismos específicos pelos quais a produção cultural é manipulada e controlada para servir aos interesses do mercado, cunhando a expressão Indústria Cultural, que refere-se ao sistema de produção e distribuição de bens culturais  que opera sob as mesmas lógicas e princípios da produção industrial capitalista.

Na indústria cultural, a cultura é tratada como mercadoria. Produtos culturais são criados e distribuídos com o objetivo principal de gerar lucro. Essa mercantilização altera a função da arte e da cultura, que passam a ser avaliadas principalmente pelo seu valor comercial, em vez de seu valor artístico, estético ou intelectual. Nesse sentido, os produtos culturais são criados em série e de forma repetitiva, com pouca variação, visando atender aos gostos e demandas do mercado de massa. Isso resulta em uma homogeneização dos conteúdos culturais, onde as obras perdem sua singularidade e originalidade.

Os produtos culturais na indústria cultural são frequentemente revestidos de um “fetichismo da mercadoria”, onde o valor simbólico e emocional dos produtos é enfatizado para criar uma forte atração e desejo nos consumidores, bem como, um sobrepreço para além do que seria justo. Isso leva ao consumo irracional e à idolatria de produtos culturais.

Adorno e Horkheimer também enfatizam o papel da indústria cultural na manipulação e controle social. Eles argumentam que os produtos culturais são usados para perpetuar ideologias dominantes e manter a ordem social existente. Através do entretenimento e da mídia, a indústria cultural pode influenciar as percepções, comportamentos e crenças das pessoas, promovendo conformismo e passividade, ou, ainda, a anestesia.

É interessante notar que tanto a palavra “estética” quanto a palavra “anestesia” compartilham uma origem comum na língua grega, derivando do termo “aisthesis” que significa “percepção” ou “sensação”.  A palavra “anestesia”, contudo,  com o prefixo “an” (que significa “sem”), é entendida como “sem sensação”.

Enquanto a estética se relaciona com a capacidade de sentir e experimentar a beleza, a anestesia refere-se à ausência dessa capacidade. Esse contraste etimológico é ilustrativo quando consideramos a diferença entre uma obra de arte genuína e a mercadoria cultural. A arte verdadeira desperta emoções e provoca reflexões, enquanto a mercadoria cultural, muitas vezes projetada apenas para entreter, busca anestesiar o público, amortecendo seu senso crítico e emocional. É como uma droga para entorpecer, para o público esquecer o quão cansado e explorado está, que o seu salário não dá até o fim do mês e que as compras do mês já acabaram, esquecer que o seu vereador não cumpriu as promessas de campanha e que está no portão pedindo voto mais uma vez.

A obra de arte genuína tem o poder de suscitar sentimentos profundos e de fazer com que o indivíduo questione o mundo ao seu redor. É através dessa experiência estética que o espectador pode vivenciar a catarse aristotélica, purificando suas emoções e ganhando novas compreensões sobre a condição humana. Em contraste, a mercadoria cultural é frequentemente projetada para fornecer um escape fácil e imediato, promovendo a passividade e o conformismo. Ao entorpecer os sentidos e evitar o confronto com questões profundas, a mercadoria cultural transforma a experiência estética em uma mera distração, impedindo qualquer forma de reflexão crítica ou crescimento emocional.

Quando nossas manifestações culturais são reduzidas a meras mercadorias, perdemos essa dimensão vital da existência. A mercadoria cultural, ao subordinar a arte à lógica do mercado, enfraquece seu potencial transformador. Nesse contexto, a verdadeira estética é substituída por uma anestesia cultural, que busca evitar qualquer desconforto ou questionamento. Assim, a cultura é esvaziada de seu conteúdo crítico e emancipador, transformando-se em uma ferramenta de controle social e conformidade.

A arte genuína nos desafia, nos inspira e nos permite experimentar a plenitude da vida. Sem ela, perdemos parte de nossa capacidade de sentir profundamente e de nos conectar com o mundo e com os outros em um nível mais profundo. É essencial preservar e valorizar a arte autêntica, reconhecendo seu papel indispensável na construção de uma vida plena e significativa, sem que sigamos reduzindo a arte e a cultura a meras mercadorias culturais, sem continuarmos a nos submeter à lógica econômica que transforma a arte em um produto. 

A indústria cultural transforma a produção cultural em mercadoria padronizada, previsível e desprovida de seu potencial crítico e emancipador. Compreender esses mecanismos da Indústria Cultural que se deixam perceber até na fala de nossos legisladores é crucial para reconhecer as limitações e manipulações presentes na cultura contemporânea e para buscar formas de produção cultural que promovam a diversidade, a criatividade e a reflexão crítica, para além da perspectiva econômica.

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