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A grande surpresa

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No dia seguinte a menina sorriu para ele. Retornou para casa com o coração a explodir

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Adolescente ainda Gustav foi, com seus pais e dois irmãos mais velhos, conhecer e tomar posse daquele território encantado incrustado em meio às montanhas do Tirol. A minúscula, ainda, aldeia não tinha mais que meia dúzia de casas e uma pequena igreja que congregava os fiéis de toda a região. Igreja com um sino que mais parecia um badalo de tão diminuto que era o seu tamanho e cujo som reverberava entre as encostas fazendo-se ouvir a léguas de distância. Ao lado da igreja, uma escola que atendia à crescente população de estudantes que a ela acorriam, dos mais distantes sítios, em busca de conhecimentos.

Foi nesta escolinha que Gustav viu os olhos ardentes e os cabelos ao vento de Elfried, a correr, desabaladamente, encosta abaixo. Desconhecia a capacidade de correr e de equilíbrio da novel colega e disparou atrás dela a fim de socorrê-la. O impulso foi tão grande que ao alçar seus braços tentando segurá-la rolaram os dois pela verdejante grama que atapetava o solo. Um susto mútuo! O inusitado! Os verdes olhos dela faiscavam de indignação. Gustav ria e tentava desculpar-se. Recebeu um sibilante tapa em seu rosto. Num rápido impulso a moça levantou-se e saiu em alta velocidade em direção à sua casa.

No dia seguinte, a caminho da escola, Gustav colheu frescas flores do campo que deixou sobre a carteira dela junto com um solene pedido de desculpas. Bilhete que ela rasgou e flores que ela picou em pedacinhos, polvilhando o banco ocupado por ele.

Gustav implorou a seus pais para visitarem a família de Elfried e levar um pedido de perdão e reconciliação em nome dele. No dia seguinte a menina sorriu para ele. Retornou para casa com o coração a explodir. E em todos os dias de aula, até o fim do ano letivo ela levava consigo um ramalhete das mais diversas flores da montanha, orvalhadas ainda, colhidas por ele. No dia em ele lhe entregou um ramo de Edelweiss sentiu seus olhos umedecidos de emoção. Comovida olhou para ele que lhe jogava um dissimulado beijo com as mãos. Retribuiu. Sabia das dificuldades de se colher aquelas flores em meio às escarpas da montanha. Guardou-a, pela vida, entre as páginas do livro que mais amava.

Alguns anos depois o casamento foi celebrado na igreja sob o repicar do pequeno sino cujo eco ribombava léguas além.

Os irmãos de Gustav não se acostumaram com a vida simples e trabalhosa de uma propriedade rural. Levaram o quinhão que lhes cabia como herança e Gustav transformou-se em único dono já de uma fazendola. Aos poucos adquiria terras adjacentes e a cada um de seus filhos coube uma igual porção, tanto de partes cultivadas como de pastagens para o gado. Helmuth permaneceu na casa original.

A fazenda que agora Rolf tentava ver da montanha que ficava na parte detrás da casa perdia-se pelas encostas e ia muito além do lago que engolira seu pai na trágica noite de seu nascimento.

Fora muito bem recebido por tios e primos que de longas distância haviam acorrido aos apelos do velho Gustav. Sentia-se, no entanto, um intruso. Criado pelos avós não se sentia parte de tudo aquilo. Era tudo tão lindo. O lago brilhava à luz do sol da manhã. Passarinhos das mais diferentes espécies soltavam seus trinados. Durante a noite ouvira o cantar dos rouxinóis. Imaginou-se um deles em busca de sua amada. Lágrimas inundaram seus olhos. Assim como não se sentia parte daquele mundo encantado, também não se sentia à altura de Sissi.

Pouco conversara com o velho Gustav. Logo que chegaram o almoço fora servido e em uma cadeira de rodas — mais apropriada a um paciente que se recuperava de grave fratura em seu fêmur — levaram-no para a cabeceira da grande mesa. Notou que o velho, apesar de ficar olhando para ele, tinha momentos de ausência. Todos queriam saber dele, do que fazia em Viena, de seus amores, da Academia de Música. Também contaram da dura vida que levavam nos estábulos e plantações. Sentiu que a curiosidade era maior que o afeto ou a saudade. Falar das agruras que levavam em sua vida rural era a tônica principal.

Percebeu que todos estavam muito bem de vida e de finanças. Pelas roupas que ostentavam. Pelos reluzentes coches e valiosos cavalos. O carinho de Franz e Sophie foi o único, verdadeiro, natural e puro que sentiu.

Foi quase uma unanimidade a afirmação de que o velho Gustav se cansara muito e precisava descansar.  Era melhor Rolf esperar para falar com ele um outro dia. Com mais calma. Tudo isto, na parte mais alta da montanha, logo atrás da casa, Rolf rememorava. Teve ímpetos de correr até os aposentos do velho patriarca, chorar em seu colo, despedir-se e depois sumir dentro do lago lá embaixo…

Apagou as tristes imagens de sua mente. Respirou fundo. Franz e Sophie tanto aguardaram por ele. Não os decepcionaria. Desceu. Foi a seu quarto. Pegou o violino e as partituras da Grande Sinfonia de Schubert e refugiou-se no sótão, o mágico local de suas peraltices da infância. Não demorou muito a ouvir a voz do avô chamando por ele. Sentiu a frustração a seus pés. Imaginou estar incomodando a todos com o som que emanava de seu instrumento. Desceu esbaforido e preocupado ao encontro de Franz.

— Não precisa se esconder naquela semiescuridão para realizar seus ensaios, meu filho. A casa é inteiramente sua. Vovô pediu que você fosse tocar nos aposentos dele. Ele quer ouvir você de perto. Mais ver que ouvir, pois a audição dele também está bem deficiente.

Rolf teve ímpetos de se ajoelhar diante daquela magnífica pessoa que tanto já fizera por ele. Lágrimas de emoção desceram sobre sua face.

Correu para junto de Gustav. Que o recebeu de braços abertos e com um enorme sorriso de felicidade pedindo que lhe contasse tudo. O velho sentira a tristeza de seu menino. Pelas poucas palavras que proferira. Pelas respostas monossilábicas com as quais se esquivava dos efusivos questionamentos de todo aquele povo ali reunido na véspera.

— Fale-me tudo, meu filho. Desabafe suas angústias que o coração deste velho aqui está para ouvir.

Foram horas em que Rolf desafogou tudo o que lhe ia na alma. Entremeava suas histórias com algumas peças leves que tocava a pedido de Gustav.

O almoço foi servido ali mesmo, no quarto em que se encontravam, para apenas quatro pessoas. Os poucos que não seguiram viagem na véspera partiram logo após o café da manhã.

— Sabe, filho — finda a refeição Gustav falou para Rolf — não estou cansado, mas acostumei-me a cochilar depois do almoço. Por isto não ligue se, de repente, eu ficar em silêncio. Mas continue a ensaiar sua sinfonia aqui em meu quarto. Ouvindo-o ao violino, meus sonhos serão mais leves.

Rolf passou a tarde a ensaiar. Percebia que às vezes Gustav abria os olhos, sorria e tornava a fechá-los. Quando encostou o violino de lado e tentava deixar o quarto o velho chamou por ele.

— Não vá ainda. Fique aqui comigo. Tenho muita coisa para lhe dizer. Mas antes mova esta manivela que eu preciso mudar de posição.

Só então o rapaz percebeu a engenhoca na cabeceira e nos pés da cama. Fora Franz o artífice de um instrumento que fazia com que as extremidades do leito do enfermo se movessem para deixá-lo em mais confortável posição.

Era uma cama de madeira, como as demais da época. Com um colchão de fina palha de milho desfiada e sobre ele outro de lã de carneiro.

Franz ficara dias a remoer a melhor forma de acomodar o avô de modo mais confortável. Primeiro repartiu o estrado em três partes. Colocou ripas laterais, com várias chanfraduras nas partes cefálica e distal. Prendeu duas largas tábuas nas duas extremidades do leito. Na lateral delas acoplou duas fortes ripas que, ao acomodarem-se nas aberturas, mantinham o estrado elevado na posição que mais conforto desse ao velho.

Mas era algo difícil de se manusear. Requeria sempre, no mínimo, quatro pessoas. Então elaborou um sistema de cordas e roldanas, meio baseado na estrutura das manivelas com que se tirava água dos poços. Colocou uma manivela na cabeceira da cama e outra nos pés. Com um calibroso prego, semelhante aos usados nas grossas vigas das pontes, prendeu-a no ponto desejado. Pelas roldanas presas no teto do quarto deslizava a vigorosa corda que por ela era movida.

— Meu avô é um engenheiro e um inventor — exclamou Rolf.

Após acomodar Gustav em posição quase sentada, longa conversa teve início.

— Meu filho! Sente-se aqui, bem perto de mim. Uma longa história eu tenho para lhe contar. Sabe, aquele violino, que se encontra encostado há tantas décadas sobre o grande piano do salão, guarda segredos que só eu sei e que aos poucos, no decorrer destes dias irei lhe contar.

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