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A falácia, o entendimento e o julgamento

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O ativismo do judiciário é um fato, impulsionado por alguns fatores como o “consequencialismo”

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Walter Marcos Knaesel Birkner*

No exterior das turbulências entre os três poderes, o questionamento a comportamentos de atores jurídicos tem sido frequente. Diante de decisões aparentemente invasivas aos outros poderes, o homem comum se pergunta de vez em quando e há tempos sobre a legitimidade do poder discricionário do judiciário. Exemplo disso é o ativismo jurídico e sua justificação consequencialista, a partir do que aparecem três tipos de explicação: a falácia, o entendimento racional e o julgamento moral.

A falácia (a partir de um fato em si irrelevante)

Circulou, há dias, um vídeo em que certo parlamentar manifesta sua opinião sobre o ativismo político de um certo juiz do Supremo Tribunal Federal. Na edição do seu pronunciamento no whats app, o parlamentar faz um corte, retirando uma fala específica de um contexto geral, alimentando a renovada e santa guerra contra o comunismo. Pra isso, lasca o pau no judiciário, bajulando os simpatizantes do executivo, com o legítimo intuito de manter sua vaga no legislativo.

O contexto é um evento intitulado Brazil Conference, nos EUA, em abril deste ano – recomendo a qualquer aluno de Direito. O objetivo foi analisar as circunstâncias da democracia no Ocidente e no Brasil, evidentemente. O corte mostra a deputada Tábata Amaral (PSB-SP) perguntando a outro convidado, o ministro do STF, L. R. Barroso: “O que fazer para defender a democracia?” – no sentido de garantir o resultado das urnas e essa coisa toda. Aí, o juiz dá lá sua resposta, começando com “nós, que defendemos a democracia…” e coisa e tal.

Então, demonstrando profunda indignação, o parlamentar do whats app pergunta imaginariamente ao juiz: “Como é que é, ministro? Nós quem, a esquerda!?” E por aí vai. Noutras palavras, importa ali não é a coisa em si, isto é, a preocupação com as instituições. O que vale é a falácia, a gritaria, confundindo alhos com bugalhos, a fim de torcer o argumento e acusar o judiciário de engajamento partidário, encobrindo o argumento central. É demagógico, puro sofisma e habilidade teatral. Compreensível, dá voto, há quem goste, mas é falacioso.

O entendimento

O ativismo do judiciário é um fato, impulsionado por alguns fatores, importando destacar aqui o “consequencialismo”. Significa basear as decisões para além do positivismo da letra da lei. Nessa direção, ele se orienta pelo cálculo das consequências que suas decisões terão na afetação a princípios civilizatórios. O movimento é internacional e, como tudo, começou nos EUA.  Está em curso nas esferas da política, da cultura e da economia, em defesa das instituições liberais, ante o que muitos consideram ameaças às liberdades democráticas.  

Por essas razões de um mundo cada vez mais perigoso, o jurista Ives Gandra Martins já escreveu no jornal O Estado de São Paulo, em 17/07/2020, e, em abril último, em entrevista à TV Jovem Pan, disse que “enquanto o século 19 foi o século do executivo e o 20 do legislativo, o século 21 é o século do judiciário.” O perigo tem sido potenciado pela própria democracia, como toda criatura que se desenvolve e gera seus paradoxos.

Todavia, se o problema é o carrapato, a solução não é matar a vaca. É como pensam os juristas consequencialistas e está na lei brasileira da seguinte maneira: “Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão (Lei 13.655/15, art. 20, que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb).”

O consequencialismo ultrapassa a dimensão das instituições jurídicas. Ele existe na ciência política, onde o cálculo sobre as consequências sempre existiu. Mas a origem teórica que influencia as teorias políticas e jurídicas vem do campo da economia, onde o cálculo das consequências é ainda mais tradicional. É a tal da interdisciplinaridade, goste-se ou não, dela ou do consequencialismo jurídico, este produzido a partir do cruzamento do Direito com a Economia.

Veja-se, por exemplo, o caso da Lava-jato, onde parecia ter imperado a estrita letra da lei. Bom: para efeito do nosso entendimento, o fato é que vários políticos, juristas, empresários e intelectuais analisam baseados nas consequências econômicas. Um estudo da Fiesp demonstra que o prejuízo econômico da operação foi equivalente a R$ 140 bi, causando retração de 2,5% percentuais no PIB brasileiro, além de eliminar 2,6 milhões de empregos diretos e indiretos na construção civil.

O Julgamento

A partir de um entendimento disso, podemos considerá-lo e julgar os fatos de maneira menos epidérmica e formar julgamentos mais ponderados. Isso não faz menosprezar a importante discussão sobre os excessos de um judiciário bem pago e cheio de privilégios patrimonialistas. Há críticas inteligentes quanto ao seu poder discricionário, seu ativismo político e suas prebendas. Mas, ainda que seja pela boca de uma figura de incômodos trejeitos, precisamos prestar mais atenção aos argumentos de alguém, do que focar a atenção em quem os profere.

É um exercício difícil, sim, porque nossos julgamentos são orientados por nossos preconceitos e nos levam mesmo a concordar ou discordar de alguém segundo as conveniências. Em relação ao ativismo do judiciário, isso é comum. É engraçado, a propósito, que quando a ex-presidente Dilma foi defenestrada do cargo, nenhum dos que hoje se indignam contra o judiciário, davam a menor importância aos arbítrios do STF. E quando o ex-presidente Lula foi condenado, com todo o ativismo judiciário, então, foram só fogos de artifício.

São os preconceitos e paixões a interferirem nos nossos julgamentos, quanto menos importante for o entendimento, às vezes em favor das falácias. E são os mesmos ímpetos de preconceitos e paixões que demonstram hoje, por omissão, os antes indignados com o ativismo do judiciário. O mesmo consequencialismo jurídico que acusam ter impedido o “comunista” Lula de participar das eleições, é o que supostamente se empenha em livrar a democracia do “fascista” Bolsonaro. É quando o inimigo do meu inimigo se torna meu velho amigo.

Bem no fim, o entendimento frio compete ao vasto campo das ciências, enquanto o julgamento é o terreno dos comuns, que se orientam pela moral, cheia de preconceitos e paixões, mas também de valores civilizatórios. E é em nome desse valores que o consequencialismo sempre se fez presente, na ética, na política e na economia, mas também na ciência. Por isso, entendimento e julgamento são complementares e um leva o outro a boas escolhas, desde que ambos mantenham boa distância das falácias.

*Walter Marcos Knaesel Birkner é sociólogo

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