quinta-feira, 25

de

abril

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2024

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Zorico, o cavaleiro andante do Contestado

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Queria contar para os que me leem a inteira história de Zorico

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Eu fui apresentada ao Zorico há muito tempo já. Seu autor, o escritor Pedro Penteado do Prado trouxe-me o boneco para que eu por ele passasse o meu olhar. Senti-me em intenso ufanismo por ter recebido esta incumbência de um escritor já consagrado.

 

 

 

 

Fiquei encantada com a história. Pedro afirmava, então, que este seria o primeiro tomo de uma trilogia a abordar a gana de Zorico e suas andanças pelo território contestado, em torno da Lumber e pelos trilhos da ferrovia em construção.

 

 

 

 

E eis que Contestado — que o povo fique com a história aí está a desfilar pelos cinco mares azuis que molham o nosso globo terrestre.

 

 

 

 

O amigo escritor sempre me afirmava que Zorico II e Zorico III já se encontravam a caminho. Fiquei, literalmente, no limbo, à espera da continuação das aventuras do fantástico homem que levou a cabo uma vingança contra os que ousaram desalojá-lo de suas terras, de suas posses, de tudo o que já havia construído em sua vida de trabalhador rural. Em sua vida de criar porcos e galinhas. De fabricar tamancos que solavam os pés de toda uma população que deles fazia uso diário.

 

 

 

Queria contar para os que me leem a inteira história de Zorico.

 

 

 

Após eu ter devorado, relido e analisado todas as palavras, desenhos e fotos desta primeira parte, dentro dela eu me senti também. Porque sempre fui ardorosa admiradora destes cavaleiros andantes que, no correr dos séculos, defenderam os indefesos das sanhas macabras e assassinas de algozes aristocratas, dos multilatifundiários, daqueles a quem apenas interessa o ter e o poder, não importando a quantos massacrem no intuito de ver suas posses crescerem e suas contas bancárias se avolumarem.

 

 

 

Pedro vai descrevendo a saga de nosso herói de uma forma instigante que nos leva a ler com ânsia e sofreguidão páginas atrás de páginas, como se partícipes das cenas narradas nós fôssemos também.

 

 

 

Mostra-nos o nosso pujante, viçoso, verdejante e belo planalto norte cruzado por caudalosos rios e regatos que desfilavam soberanos de sul a norte e de leste a oeste.

 

 

 

 

Mostra-nos uma agricultura rudimentar, mas florescente. Onde vicejava o milho de douradas espigas, o feijão de reluzentes grãos negros. E um verdejante mandiocal de onde se extraia uma farinha especial. Algumas árvores frutíferas atrás da casa. Ao redor, alguns pés de couve.

 

 

 

E os pinhões que despencavam de exuberantes araucárias a colorir um sombreado solo. As majestosas erveiras com suas verdes folhas que sempre secaram ao fogo da maneira mais tradicional para que jamais faltasse o bom chimarrão a aquecer o corpo e despertar a alma.

 

 

 

 

O pacato caboclo — que de Tamanqueiro também era chamado, pois fabricava tamancos de couro com solado de madeira —, num repente é transformado em um autêntico vingador.

 

 

 

 

As nuances vão se desenvolvendo aos poucos. Como nuvens carregadas que do nada surgem em esplendente céu azul. Zorico mais que vê, sente e ouve o matraquear dos cascos de muitos cavalos ainda distantes.

 

 

E então eles chegam. Armados com seus rifles a tiracolo eles chegam. Com as cartucheiras atravessadas pelo peito eles chegam.

 

 

Eram os vaqueanos, os profissionais da bala, contratados do chamado Sindicato Farquhar, dos estrangeiros que na região aportaram para construir uma estrada de ferro e uma serraria. E as terras do personagem de Pedro Penteado situavam-se dentro dos famosos quinze cobiçados quilômetros—e de presente recebidos do governo federal—,à margem do traçado da ferrovia.

 

 

Era uma manhã com um denso nevoeiro que não deixava visível nem o galinheiro que ficava ao lado da morada de Zorico. Nem bons dias lhe deram. Apenas uma lacônica ordem. Deveria deixar suas terras e seus pertences de imediato. Deram-lhe um prazo. O tempo exato para secar o inominável escarro lançado ao solo pela gosmenta boca do chefe do bando.

 

 

Zorico juntou umas poucas coisas. Encilhou seu cavalo e nele montado, acompanhado de seu fiel cusco, encetou um galope até a próxima curva quando ficou longe da visão dos malfeitores.

 

 

E então… voltou. Por trás da mata. E o mundo ao redor desabou. Os bandoleiros a tudo incendiaram. A nada pouparam. Nem as plantações.

 

 

 

E foi em meio à densa fumaça e ao quase fechado nevoeiro que Zorico empreendeu a mais fantástica das vinganças, que apenas a imaginação de um escritor, como Pedro Penteado do Prado, poderia conceber.

 

 

 

Eram 12 bandoleiros. Eram…

 

 

Na longa estrada empoeirada, que das propriedades de Zorico levava a Três Barras, manquejava um homem nu, amparado em uma tosca muleta e um rudimentar bordão que o caboclo fizera de dois ramos de árvore.

 

 

 

Era o cabeça do grupo. A quem o herói encarregou de levar a notícia aos mandatários da Lumber e da ferrovia.

 

 

Entre a escarrada ao solo e o retorno a pé para Três Barras desenrolam-se as peripécias e as artimanhas de Zorico para acabar com a alegria e a vida de seus temporários algozes.

 

 

 

O resto da história Pedro Penteado já escreveu. E nós estamos aqui à espera destas novas aventuras de Zorico. Dos incríveis lances encetados por ele a fim de — em nome de milhares que também foram perseguidos, humilhados e desalojados de suas propriedades—, desbaratar o que conseguisse do império Farquhar

 

 

 

Depois de haver completado a leitura Pedro pede-me que escreva um texto para a contracapa deste seu primeiro tomo. Um texto curto para dar uma ideia ao futuro leitor do que seriam as andanças do caboclo que viveu dentro da alma e da vida de tantos. Foi assim que vi o nosso herói Zorico. Foi assim que, em poucas palavras, tentei definir o livro de Pedro Penteado do Prado, tendo como título inicial, Contestado—como eu gostaria que tivesse acontecido*.

 

 

 

 

Zorico é a agulha condutora de um fio que borda e tece a história. É o herói caboclo-mestiço que tem impregnado em seu sangue a memória milenar do olho-de-lince e do serpentear silencioso a escorregar pela floresta. Que não tem impregnada na mente a vingança, mas, apenas um acerto de contas.

 

 

 

 

Ante a violência demais que curvou e quebrou a muitos dos que viveram às margens do progresso que viria em fumegantes cavalos de ferro, Zorico deixa seus algozes saboreando o triunfo em meio à fumaça que destruiu seus haveres e parte na manhã nevoenta, enquanto sua mente astuta arma, em drástica decisão, os meandros que aliviariam seu espírito em ebulição.

 

 

 

Não uma vingança contra o absurdo que foi a invasão e o apossar-se, à força, de glebas e glebas de terras, há centenas de anos, cultivadas já pelos pais de seus pais. Não uma vingança contra a destruição daquilo que em cima destas terras havia.

 

 

 

Não, não era vingança. Apenas um acerto de contas.

 

 

 

 

Um acerto de contas como tinha sido também o que fizera com a morena de sua vida.

 

 

Penteado coloca dentro do nosso eu um auspicioso néctar contando uma história como nós também gostaríamos que tivesse acontecido.

 

 

 

 

* “Contestado – que o povo fique com a história”.

Título inicial: “Contestado – como eu gostaria que tivesse acontecido”.

 

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