quinta-feira, 28

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março

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2024

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Um amor impossível na cidade azul (Epílogo)

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Beatriz olhava para ele. Continuava sem nada dizer. Queria correr porta afora mas seus pés pareciam estar aderidos ao solo

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Por mais interessante que fosse o livro que estava a ler, nele Beatriz não conseguia se envolver. Queria, dentro de anônimos personagens, incorporar o seu eu a fim de fugir de si mesma, fugir do emaranhado de pensamentos que a corroíam.

 

 

 

 

Acomodara-se sobre uma esteira, encostada no muro que delimita a praia dos jardins da beira-mar. Defronte a água azul a debater-se em ondas que jamais cansavam de seu eterno ir e voltar, marulhar e cantar.

 

 

 

Junto com elas o pensamento que não a deixava em paz. Já concluíra seu mestrado. Nem sabe como conseguira findar sua dissertação e nem como a apresentara para a banca. Talvez porque já tivesse tudo alinhavado em sua memória muito tempo antes daquele dia fatídico em que tentara, pela última vez, uma reaproximação com aquele amor impossível.

 

 

 

 

Em realidade, quem tentara foi ele. Esquivara-se, durante tanto tempo de um reencontro. E nem sabia ao certo os porquês. Queria mesmo estudar e ser livre. Sem amarras. Não respondia suas cartas. Não atendia aos seus telefonemas. Até a mãe de sua amiga Maria Helena — na casa de quem se hospedava nas semanas que passava em Santos, enquanto fazia o mestrado — já conhecia aquela voz no outro lado da linha. E, à pedido de Beatriz sempre dizia que ela lá não se encontrava.

 

 

 

 

Era uma tarde de sexta-feira. O curso findara na parte da manhã. Estava envolvida em colocar, junto à porta de entrada, uma valise de roupas e livros. Logo os colegas do curso viriam buscá-la. Iriam para um seminário de direito trabalhista em um aprazível e bucólico hotel nas cercanias de São José do Rio Preto. Pretendiam sair logo, a fim de vencerem aquela longa distância e chegarem a tempo para a abertura do evento, naquela mesma noite.

 

 

 

A família de Maria Helena havia viajado já na véspera. Estava a sós na casa. Súbito ouve a campainha. Era cedo ainda para que fossem seus colegas. Poderia ser alguém à procura da família da amiga e correu a atender.

 

 

 

O susto foi tão grande que Beatriz quase não conseguiu balbuciar nem um alô. À sua frente, um sorridente Diógenes, quase escondido atrás de um enorme buquê de coloridas flores do campo.

 

 

 

—Como você nunca me atende, vim até aqui.

 

 

E foi entrando. Como se fosse o dono do lugar.

 

 

 

— Você não vai deixar estas flores murcharem neste calor abrasador que está fazendo agora…

 

 

Beatriz olhava para ele. Continuava sem nada dizer. Queria correr porta afora mas seus pés pareciam estar aderidos ao solo.

 

 

 

Ele quis abraçá-la. Ela se esquivou.

 

 

 

Nisto Diógenes vê a valise junto à porta.

 

 

—Você estava saindo para viajar? Para onde você for eu a levarei.

 

 

—Não se preocupe comigo, Diógenes. Logo meus colegas já estarão aqui para me levar com eles. Compromisso de estudos. —Nem sabe como conseguiu falar.

 

 

—Beatrizinha, eu tenho tanta coisa para dizer pra você. Não pode ser assim aqui, agora, em pé, no vestíbulo desta casa…

 

 

E foi falando, falando, suavemente tomou as mãos dela entre as suas. Beijou-as. Depois beijou seu rosto. Abraçou-a com suavidade. E ela não sabe como se deixou, uma vez mais, levar por aquele encantamento.

 

 

Às pressas, rascunhou um bilhete aos amigos desculpando-se por ter desistido da viagem e do seminário. Prendeu-o com chicletes mesmo, no lado de fora da porta da casa e partiu com Diógenes rumo ao Guarujá.

 

 

Seguindo em sentido norte, quase no fim da praia, encontraram o ainda rústico e místico Jequitimar, um hotel de sonhos que por uma vasta extensão costeira se esparramava.

 

 

Logo que se acomodaram Diógenes levou-a até o barzinho da praia, de onde ouviam o constante bater das gigantescas ondas contra os rochedos mais além. Ela arregalou os olhos quando viu que ele já pedira um uísque.

 

 

—Diógenes, olha só o cardápio. A exuberância de sucos. De tudo que é fruta tropical conhecidas e até das que nunca eu ouvi falar.

 

 

Beatriz notou que, a contragosto, ele concordou com ela. Passaram a tarde ali sentados, a olhar o mar e a relembrar os velhos tempos de quando se conheceram.

 

 

—Eu só vou esperar você terminar este seu mestrado e irei raptá-la para viver comigo o resto de nossas vidas. Você não sabe desde quando esta minha paixão, este amor, esta fixação por você mora dentro de mim. Desde o instante em que a vi, estudante ainda, quando fui buscá-la, a pedido de minha mãe, para ir morar em nossa casa. Você namorava aquele cara, aquele malandro que eu tinha vontade de fazer nem sei o quê com ele quando eu via vocês dois, de mãos dadas, no outro lado da rua. Já falei uma vez para você que aquele sujeito não era digno de confiança e você mesma viu depois que não era mesmo.

 

 

Beatriz começou a rir daquelas lembranças. Como ele estava falando movido a suco de frutas, achou que a conversa era séria mesmo.

 

 

—Meus filhos —continuou falando —já estão na faculdade e cada um levando a sua vida. Nem moram mais conosco. Meus velhos já partiram para uma vida na paz celestial. Nem vejo mais minha mulher. Ou seria ex-mulher? Já nem sei. Só sei que eu preciso de você. E de mais ninguém.

 

 

 

Fez uma pausa, para respirar fundo, aguardando que ela esboçasse alguma reação, dissesse alguma coisa. Nada. Beatriz, em silêncio, a ouvi-lo.

 

 

 

—Agora, além de tudo o que fiz na vida ainda tenho que cuidar dos investimentos que meus pais me deixaram. Neste tempo todo em que nunca mais eu consegui falar com você, que dirá te ver, eu fui amontoando negócios. Agora eu tenho uma empresa de táxi-aéreo. Foi em um dos meus Cessnas que eu vim para cá…

 

 

Beatriz olhou para ele estupefata.

 

 

—Não, Beatrizinha, não se assombre. Não vim pilotando. Vim como passageiro. Você sabe que não posso mais pilotar há muito tempo. Mas, continuando. Quando você for viver comigo você será minha sócia em todas as minhas empresas. Poderá até ser a chefe do departamento jurídico. Poderá até dar aulas na faculdade de direito. Pode. Se quiser. Mas juro que você terá uma vida de rainha. E eu ficarei a seus pés até além da morte.

 

 

Por tudo Beatriz poderia esperar. Menos por estas propostas todas. Nada respondeu. Era hora de se prepararem para o jantar.

 

 

Diógenes mais tomou uísque do que comeu. A lagosta estava deliciosa. E o vinho que acompanhava era divino. Notou que ele exagerou demais nas sobremesas.

 

 

Um harmônico conjunto musical divagava entre cordas e teclados melodias de enlevo. Ficaram ali por horas a conversar, a ouvir músicas e o farfalhar dos ramos de palmeiras que assoviavam ao vento do mar.

 

 

Beatriz saía do banho quando ele a tomou em seus braços. Abraçava-a e beijava–a, sofregamente. Como se daquilo dependesse a vida dele. Ela se assustou. Seria o longo tempo em que estiveram separados?

 

 

Sentaram-se na beira da cama. Ele não cessava de acariciá-la. E assim entre murmúrios e beijos ela notou que ele entrava em cansaço, em uma falta de ar que se avolumava. Percebeu que seus batimentos cardíacos chegavam a alturas inimagináveis. Conseguiu, finalmente, ofegante ainda, encostar-se nos travesseiros que colocara, com dificuldade, na cabeceira da cama.

 

 

E assim dormiram até de madrugada. Beatriz levantou-se e foi para debaixo do chuveiro. Ao sair, envolta na toalha, encontra-o à porta. Naquele lusco fusco do amanhecer que ele conseguiu enrolar-se com ela e assim ficaram por longo tempo. Levou-a para a cama e puderam, enfim, reativar a velha paixão que tantas vezes os unira.

 

 

 

—Beatriz, perdão! Perdão! Esta falta de ar assim há tempos não me atormentava. Você tinha razão em não querer que eu afundasse no uísque desde cedo. Esta metralhadora dentro de meu peito tem disparado incessantemente nos últimos tempos também. Sabe, abusei também um pouco da sobremesa no jantar. E meu endocrinologista havia proibido qualquer doce em minha vida. Sei que ando abusando de tudo; que estou estragando minha saúde. Mas com você a meu lado sei que tudo voltará ao normal.

 

 

 

Sábado de manhã saíram a passear pelas praias mais ao norte. Passaram por Bertioga. Comeram ostras frescas com muito limão e sal em uma barraca de pescador. Com geladérrimas cervejas. Já escurecia quando retornaram ao hotel. Jantaram. E as doses de uísque se repetiram. E a tragédia de mais uma frustrada noite de amor, também.

 

 

Implorou-lhe que ela não o deixasse. Acabou contando detalhes de sua vida nos últimos anos.

 

 

—Já falei que nem sei mais de minha mulher. Vivemos ainda na mesma velha casa que foi de meus pais. Em suítes separadas. Nem nos vemos. Quando saio de manhã ela ainda está a dormir. Volto sempre tarde da noite. Quando volto. Os empregados resolvem tudo. A nossa velha governanta continua na direção da casa. Tento sair de minha solidão em busca de prazeres, de novas paixões que só me deixam mais frustrado ainda. Só com você deu tudo certo. Mesmo que frugalmente, mesmo que uma única vez. Mas eu sei que você será a minha tábua de salvação. Só com você eu consegui me realizar nestes anos todos.

 

 

No domingo de manhã deixaram o Guarujá. Ela voltou para uma nova solidão na casa da amiga. Despediram-se. Ele tomou o avião e retornou para a terra dos pinheirais.  Ele ainda pediu que ela pensasse no que ele tinha lhe proposto.

 

 

E agora está ela, sentada defronte ao majestoso mar, que tanto encantou Vicente de Carvalho, tentando convencer-se a si mesma de que ela fez a única coisa certa que poderia ter feito na vida.

 

 

Sentia-se abalada e nem sabia explicar direito os porquês. Fugira de um amor que por tantos anos a envolvera. Não, não fugira. Foi a razão que fez a opção. A realidade não seria nada boa para ela. No fundo a sua consciência a admoestava. Fora covarde? Não se achava covarde. Afinal não vivera uma vida com ele e agora o abandonava…

 

 

Debatia-se com a ideia de ter jogado no mar uma frustrada vida de rainha. Frustrada! Ela não tinha idade para se imaginar vivendo uma vida de santidade a dois. E ao mesmo tempo julgava-se a pior das criaturas por não ter dado uma chance a mais a ele.

 

 

—Mas como? Se ele mesmo me disse que os melhores especialistas do país já lhe tinham dito que se satisfizesse em conversar, ouvir música e beber uísque? Que a vida tem tantos outros atrativos? Mas para alguém de mais idade… pode ser…

 

 

Encostou-se melhor na mureta que separa a praia dos jardins. Mergulhou no livro que estava lendo. Depois de ter divagado em torno dos últimos dias em que estivera com ele, sentiu-se melhor.

 

 

E voltou seus pensamentos para seus antigos planos. Dividir seu tempo entre as aulas de direito na faculdade de sua terra, entregar-se inteiramente à sua profissão. Viajar. Conhecer o mundo.

 

 

–E o amor… Quem sabe algum dia ainda encontrarei o Amor que à minha espera vive em alguma estrela por aí…

 

 

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