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O guarda-roupa alemão

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Romance narra a história de Blumenau a partir dos conflitos de adaptação dos imigrantes alemães

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Encantam-me as obras literárias que levam à reflexão das diferentes perspectivas de um assunto aparentemente canonizado. O romance “O guarda-roupa alemão”, da itajaiense Lausimar Laus, que narra a história de Blumenau a partir dos conflitos de adaptação dos imigrantes alemães, me fez repensar o hostil e impositivo processo de enquadramento social e racial que muitos segmentos padecem.

Além da qualidade literária do livro, ou seja, construção do enredo e personagens complexas, numa narrativa memorialística, com tempo não linear, a obra evidencia que os cidadãos europeus que imigraram para o Brasil, entre os séculos dezenove e vinte, lá viviam de maneira paupérrima e objetivavam melhorar esta condição. No entanto, a conjuntura bipolar do governo Vargas, num período entre-guerras, foi propícia para uma política de exclusão e perseguição dos teuto-brasileiros.

Dois continentes e duas maneiras de materializar a insana exclusão justificada pelo patriotismo. De um lado, Hitler e a demoníaca perseguição aos não arianos, julgando sua nação superior; de outro, Vargas, numa tentativa esdrúxula de nacionalização, impondo a cultura brasileira aos imigrantes.

Certamente, dentre os teutos, havia aqueles que, por identificação ou ignorância, defendiam os preceitos hitleristas. Porém, generalizá-los e incitar uma política segregadora, além de dificultar a vida dos envolvidos, invalidou a sua contribuição para o nosso miscigenado país, como podemos ver neste excerto da obra de Lausimar Laus:

Uma espécie de medo espalhado por todos os cantos. Havia alguns grupos, é verdade, simpáticos a Hitler e seu “Nacional-Socialismo”. Eram os que iam à Alemanha ver a crescente e entusiástica ascensão do nazismo, ouvir o seu líder e ver a marcha dos uniformes pelas ruas de Berlim, de Munique e demais cidades alemãs. Mas uma grande quantidade de teuto-brasileiros era já mais brasileira que certos patriotas. Esses também sofreram bastante. […] Estávamos em 1937, quando Getúlio pôs todo o seu poder discricionário e de grande alcance, a que se chamou de “nacionalização econômica e cultural da população estrangeira”. Surgiram então aquelas medidas extremas, sem qualquer discriminação. Pagaram os que eram infiéis e os que não eram. […] O que se lamentava era que o trabalho de 115 anos desenvolvido na nova terra que muitos e muitos alemães tinham escolhido para o resto da vida, era esquecido, sem que ninguém pudesse compreender que nem todos eram sectários ligados a Hitler (LAUS, 2009, p.171).

O que podemos apreender da citação acima é que há muito o que se escancarar e discutir sobre a História do Brasil, sobretudo desmistificar o predicativo de que vivemos num país sem racismo. Pois, além do incomensurável e vivo desrespeito pela população afro, materializado em exclusão e desvalorização cultural, houve, também, segregação de povos imigrantes.

Hitler tentou praticar o memoricídio da cultura judaica, e, por sua vez, a Campanha de Nacionalização de Vargas impôs o esquecimento forçado do legado dos imigrantes. Ambos, em graus diferentes, praticaram crimes, impedindo o fluxo memorialístico individual e coletivo.

Um dos sentimentos mais produtivos que a leitura literária nos faz sentir é a empatia. No caso do mencionado enredo, é interessante colocar-se no lugar de um alemão que, vivendo em péssimas condições no seu país de origem, seja por questões financeiras ou perseguição racial, imigra para o Brasil idealizando uma vida livre e, logo, se depara com a proibição de exercer sua identidade, isto é, falar sua língua materna, rememorar ou mencionar seu passado.

Depois do exercício empático, indubitavelmente a conclusão será que qualquer faceta da discriminação e da generalização infundada é altamente improdutiva, traumática e um atestado da involução humana.

(LAUS, Lausimar. O guarda-roupa alemão. 6 ed. Florianópolis: Editora da UFSC, 2009).
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